terça-feira, 22 de maio de 2012

A trágica perda da tragédia

"Assim como com a culpa trágica, devemos aqui mostrar o que é o verdadeiro sofrimento estético e o que é a verdadeira dor estética. Ora, obviamente a dor mais amarga é a do remorso, mas remorso tem uma realidade ética, não estética. É a dor mais amarga porque possui toda transparência da culpa, mas justamente por tal transparência não tem nenhum interesse estético. O remorso tem uma santidade que obscurece o estético. (...)  Esta é parte da evidente confusão que se faz em nossa época: procuramos por uma coisa onde não deveríamos procurá-la; e, pior, encontramo-na onde não deveríamos encontrá-la. Queremos ser educados no teatro, influenciados esteticamente na igreja, convertidos por novelas, e queremos desfrutar livros escritos para devoção; queremos a filosofia no púlpito e o pregador na cadeira de professor. Esta dor não é portanto estética, mas é ela que a época moderna busca como de maior interesse trágico. O mesmo ocorre com a culpa trágica. Nossa época perdeu todas as categorias substanciais relacionadas à família, ao estado e à raça. Ela deixou o indivíduo completamente a si mesmo, de tal modo que, em um sentido estrito, o indivíduo tornou-se seu próprio criador. Sua culpa é portanto seu pecado, sua dor é seu remorso. Mas assim o trágico é perdido. E o que é, em sentido estrito, o sofrimento da tragédia realmente perdeu todo interesse trágico, pois o poder de onde o sofrimento vem perdeu seu significado e o espectador grita: 'Deus ajuda aquele que ajuda a si mesmo!'. Em outras palavras, o espectador perdeu sua compaixão. E a compaixão é, tanto no sentido objetivo quanto subjetivo, a expressão autêntica da tragédia."

Soren Kierkegaard,
(Traduzido livremente de "Either/Or: A Fragment of Life", Alastair Hannay (trad.), Penguin Classics 2004, Kindle Location 2522)