sábado, 26 de maio de 2012

Chatice

"O quão destrutivo é o tédio todos podem reconhecer ao observarem as crianças. Enquanto as crianças estão se divertindo, elas são sempre bem comportadas. Isto pode ser dito no sentido estrito, já que se elas por vezes saem do controle deve-se de fato a já começarem a sentir o tédio; ele já está presente, apenas em um modo distinto. Então, ao escolhermos uma babá devemos prestar atenção não somente em sua confiabilidade e decência; mas também devemos considerar, esteticamente, a sua habilidade em divertir as crianças. E não se hesitaria aqui em demitir uma babá que carecesse de qualificação neste último quesito, mesmo se ela possuísse todas as outras virtudes desejáveis. De fato, o princípio é claramente reconhecido; mas quão notáveis são os meios do mundo: tanto ganharam domínio, o tédio e o hábito, que justiça é feita à estética somente no emprego de babás. Se alguém tentasse separar-se da esposa porque ela é entendiante, ou destronar um rei porque ele tem uma fisionomia maçante, ou expulsar um padre porque seu discurso é enfadonho, ou demitir um ministro, ou um jornalista, porque eles são terrivelmente chatos - qualquer destas tentativas iria a mal grado. Não nos espantemos então com o regresso do mundo, com o mal que ganha cada vez mais terreno, já que o tédio só tem aumentado e ele é a raiz de todo mal.


E podemos traçar este mal desde o início do mundo. Os deuses estavam entediados então eles criaram o homem. Adão estava entediado porque vivia só, então Eva foi criada. Do momento em que o tédio entrou no mundo ele cresceu na exata proporção do crescimento da população. Adão estava entediado sozinho, depois Adão e Eva estavam entediados juntos, então Adão e Eva e Caim e Abel estavam entediados em família, e depois a população aumentou e as pessoas ficaram entediadas em massa. Para se divertirem eles conceberam a ideia de construir uma torre tão alta que atingisse o céu. Até mesmo a ideia desta torre é tão maçante quanto alta era a construção, e ela é uma prova terrível das alturas atingidas pelo tédio humano. Então as nações foram espalhadas pela terra, do mesmo modo que as pessoas agora viajam para o exterior, mas todos continuaram entediados. E pense nas consequências desse tédio! O homem esteve no alto e caiu às profundezas primeiro com Eva e depois com a torre de Babel. E mesmo assim o que é mesmo que  causou o declínio de Roma? Foi panis et circenses. E o que fazem as pessoas hoje em dia? Elas pensam em modos para se divertirem? Ao contrário, aceleram a ruína. Elas pensam, por exemplo, em chamar uma assembléia constitucional. Pode algo mais maçante ser imaginado, tanto para os senhores que tomam parte quanto para aqueles que têm de ler e ouvir sobre eles? Há uma proposta para melhorar a economia do Estado através do hábito de poupar. Pode algo mais entediante ser pensado? Ao invés de aumentar o débito nacional, propõe-se a pagá-lo! Ora, do pouco que sei de política, seria muito fácil para a Dinamarca conseguir um empréstimo de 15 milhões. Por que então não se pensa nisso? Que algum gênio tenha decidido não pagar suas dívidas, isto é algo que se ouve com certa frequência; por que então não deveria um estado ser capaz de fazer o mesmo se todos concordassem? Então peguemos um empréstimo de 15 milhões e usemo-no não para pagar as dívidas e sim para o prazer público! Vamos celebrar o reino de mil anos com alegria! Assim como há caixas em todo lugar para se colocar dinheiro dentro, então que haja caixas cheias de dinheiro para que todos possam pegar. Tudo seria livre, as pessoas iriam ao teatro de graça, teriam acesso livre a prostitutas, passeios grátis pelo parque, seriam enterradas sem ter que pagar nenhuma taxa, o sermão do padre seria livre de cobranças; pois quando se tem dinheiro sempre em mãos, tudo é em certo sentido grátis. Ninguém precisaria de propriedade própria. Uma exceção porém deveria ser feita no meu caso. Eu pessoalmente reservaria 100 dólares por dia permanentemente no Banco de Londres, em parte porque não posso viver com menos, em parte porque fui eu quem veio com a ideia, e finalmente, porque nunca se sabe se não posso ter uma nova ideia quando os 15 milhões acabarem."

"O jovem autor de 'Either'" (pseudônimo de Soren Kierkegaard)
(Traduzido livremente de "Either/Or: A Fragment of Life", Alastair Hannay (trad.), Penguin Classics 2004, Kindle Location 3768)