sábado, 25 de fevereiro de 2012

Uma lição de História (talvez a maior de todas)

[Contrariando ainda uma vez o hábito deste blog, transcrevo um pedaço mais longo de um livro por julgar que não poderia usá-lo aqui de modo diverso.]




"Para Kim não é nenhum desgosto que Ferriera não compreenda: a homens como Ferriera deve-se falar em termos exatos, deve-se dizer "a, b, c"; as coisas são certas ou são "bobagens", não existe nenhuma zona ambígua e obscura para eles. Mas Kim não pensa isto por sentir-se superior a Ferriera: a sua meta é poder pensar como Ferriera, não ter outra realidade exceto aquela de Ferriera, todo o resto não serve.

- Bem, te saúdo. - Chegaram a uma encruzilhada. Agora Ferriera seguirá para o Gamba e Kim irá até o Baleno. Devem inspecionar todos os destacamentos naquela noite, antes da batalha, e a separação neste ponto é necessária.


Todo o resto não serve. Kim caminha só pelas trilhas, carregando, presa nas costas, aquela arma que parece uma muleta quebrada: o sten. Todo o resto não serve. Os troncos das árvores no escuro têm formas humanas. O homem carrega dentro de si os seus medos de menino por toda a vida. "Talvez, - pensa Kim, - se não fosse comissário de uma brigada eu teria medo. Chegar a não mais ter medo, esta é a meta final do homem".


Kim é lógico, quando analisa a situação dos destacamentos junto aos demais comissários, mas quando pensa sozinho, andando pelas trilhas, as coisas parecem-lhe misteriosas e mágicas, a vida dos homens parece cheia de milagres. Temos ainda a cabeça cheia de milagres e de magia, pensa Kim. E parece-lhe que está a caminhar em um mundo de símbolos, como o pequeno Kim no meio da India, no livro de Kipling tantas voltas relido quando menino. "Kim... Kim... Quem é Kim?"


Por que ele caminha naquela noite pela montanha, por que prepara uma batalha, com razões de vida e morte, depois da sua melancólica infância de menino rico, depois de sua adolescência de garoto tímido? Por vezes parece-lhe ser vítima de um furioso desequilíbrio, de agir tomado de histeria. Não, os seus pensamentos são lógicos, pode analisar qualquer coisa com clareza absoluta. Mas não é um homem sereno. Serenos eram seus pais, os grandes pais burgueses que criaram a riqueza. Serenos são os proletários que sabem aquilo que querem, os agricultores que agora vigiam como sentinelas as vilas do interior, serenos são os soviéticos que decidiram tudo e agora fazem a guerra com método não porque é bela, mas porque é necessária. Os bolcheviques! A União Soviética talvez seja um país sereno. Talvez não haja nenhuma miséria humana por lá. Será Kim sereno algum dia? Talvez um dia consigamos todos atingir a serenidade, e não mais entenderemos muitas coisas porque compreenderemos tudo.


Mas aqui os homens ainda possuem olhos turvos e faces ouriçadas, e Kim é afeicionado a tais homens, à revolta que se move neles. Aquele menino do destacamento do Dritto, como se chama? Pin? Com aquela raiva em seu olhar lentiginoso, inclusive quando ri... Dizem que é irmão de uma prostituta. Por que combate? Não sabe ele que combate para não ser mais irmão de uma prostituta. E aqueles quatro cunhados "terroni" combatem para não serem mais uns "terroni", pobres emigrados, tratados como estrangeiros. E aquele policial combate para não se sentir mais um policial, alguém que persegue seus semelhantes. O Cugino, o gigantesco, bom Cugino... dizem que quer se vingar de uma mulher que o traiu... Todos temos uma ferida secreta para redimir por qual combatemos. Também Ferriera? Talvez até mesmo Ferriera: a raiva de não poder fazer com que o mundo vá do jeito que ele quer. O Lupo Rosso, não: para Lupo Rosso tudo que ele quer é possível. É necessário querer as coisas justas: este é o trabalho político, o trabalho do comissário. E aprender que é justo aquilo que se quer: também este é o trabalho político, trabalho de comissário.


Um dia talvez eu não entenderei mais estas coisas, pensa Kim, tudo sará sereno em mim e compreenderei os homens de um outro modo, mais justo, talvez. Por que "talvez"? Bem, então não mais direi talvez, não terei mais nenhum talvez em mim. E mandarei fuzilar Dritto depois. Agora estou muito ligado a eles, às suas vidas. Também a Dritto: sei que Dritto deve sofrer terrivelmente por aquele seu hábito de fazer o papel de bastardo a todo custo. Não há nada mais doloroso no mundo do que ser o vilão. Um dia, ainda menino, fechei-me no quarto por dois dias sem comer. Sofri terrivelmente, mas não abri a porta e vieram me pegar com uma escada pela janela. Tinha uma vontade enorme de ser compadecido. O Dritto faz o mesmo. Mas sabe que o fuzilarão. Quer ser fuzilado. É uma vontade que vem, por vezes, aos homens. E Pelle, o que faz a esta hora Pelle?


Kim caminha por um bosque de lariços e pensa em Pelle lá na cidade, com a cabeça de morto sob o chapéu, que gira em patrulha durante o toque de recolher. Será só, Pelle, com seu ódio anônimo, equivocado, só com sua traição que lhe corrói por dentro e faz com que ele seja ainda mais malvado para se justificar. Disparará aos gatos, com raiva, e os burgueses sussurrarão nos leitos, acordando com os disparos. Kim pensa na coluna de alemães e fascistas que talvez já esteja avançando por sobre o vale, em direção ao nascer do sol que trará a morte sobre eles a partir das cristas das montanhas. É a coluna dos gestos perdidos: agora um soldado, acordando com o balanço do caminhão, pensa: te amo, Kate. Entre seis ou sete horas morrerá, matar-lhe-ão; mesmo se não tivesse pensado: te amo, Kate - teria sido o mesmo, tudo o que ele faz e pensa é perdido, cancelado da história.


Eu, ao invés, caminho por um bosque de lariços e cada um dos meus passos é história; eu penso: te amo, Adriana - e isto é história, possui grandes consequencias, agirei amanhã na batalha como um homem que esta noite pensou: te amo, Adriana. Talvez não farei nada importante, mas a história é feita de pequenos gestos anônimos, talvez amanhã morrerei, talvez até mesmo antes daquele alemão, mas todas as coisas que farei antes de morrer e a minha própria morte serão pedaços de história, e todos os pensamentos que estou fazendo agora influirão sobre a minha história amanhã, sobre a história do amanhã do gênero humano. Certo, poderia agora, ao invés de fantasiar como menino, estudar mentalmente os particulares do ataque, a disposição das armas e das esquadras. Mas gosto muito de pensar nestes homens, de estudá-los, descobrir coisas sobre eles. O quê farão depois, por exemplo? Reconhecerão na Itália do pós-guerra algo feito por eles? Compreenderão o sistema que eles deverão usar para continuar nossa luta, a longa luta sempre diversa do resgate humano? Lupo Rosso compreenderá, digo eu: sabe-se lá como fará a colocar em prática, assim aventuroso e engenhosos, sem haver mais possibilidades de ações surpresas e fugas. Deveriam ser todos como Lupo Rosso. Deveremos ser todos como Lupo Rosso. Mas haverá quem continuará com seu furor anônimo, retornará individualista, e por isso estéril: cariá na delinquencia, a grande máquina dos furores perdidos, esquecerá que a história está caminhando ao lado deles, que um dia respirou através de seus dentes cerrados. Os ex-fascistas dirão: os partigianos! Eu dizia! Eu entendi súbito! Mas não terão entendido nada, nem antes, nem depois.


Kim um dia será sereno. Tudo é agora claro para ele: o Dritto, Pin, os cunhados calabreses. Sabe como deve se comportar com um e com o outro, sem medo e nem piedade. Às vezes, caminhando na noite, a névoa dos ânimos se condensa em torno, como a névoa do ar, mas ele é um homem que analisa, "a, b, c", dirá aos comissários do destacamento, é um "bolchevique", um homem que domina a situação. Te amo, Adriana.


O vale é cheio de névoa e Kim caminha por uma costa arenosa como as margens de um lago. Kim... Kim... quem é Kim? O comissário da brigada sente como se fosse o herói do romance lido na juventude: Kim, o rapaz meio inglês meio indiano que viaja através da India com o velho Lama Rosso, para encontra o rio da purificação. Duas horas atrás falava com aquele Barrabás do Dritto, com o irmãozinho da prostituta, agora chega ao destacamento do Baleno, o melhor da brigada. É a esquadra dos russos, com Baleno, ex-prisioneiro, fugido dos trabalhos de fortificação dos confins.


- Quem vai lá? - É a sentinela: um russo.

Kim diz o seu nome.
- Traz novidades, comissário?
É Aleksjéi, filho de um mugik, estudante de engenharia.
- Amanhã teremos uma batalha, Aleksjéi.
- Batalha? Cem fascistas kaput?
- Não sei quantos kaput, Aleksjéi.
Não sei bem nem mesmo quantos vivos.
- Sal e tabaco, comissário.
"Sal e tabaco" é a expressão italiana que fez mais impressão em Aleksjéi, repete-a sempre como se fosse uma saudação, votos de boa sorte.
- Sal e tabaco, Aleksjéi.

Amanhã será uma grande batalha.  Kim é sereno. "a, b, c", dirá. E continua a pensar: te amo, Adriana. Isto, nada mais do que isto, é a história."


Italo Calvino
(Traduzido livremente de "Il Sentiero dei nidi di ragno", Mondatori 2002, pgs 116-120) 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Nascidos do Espanto

"O que eu digo é que o poema nasce de alguma coisa que me espanta, que me surpreende. Não adianta eu decidir que vou escrever um poema, não é assim. Eu sou surpreendido por alguma coisa que acontece, e essa coisa me põe num estado em que eu sou capaz de escrever o poema e fora desse estado eu não sou capaz de escrever, eu tenho que entrar nesse estado. E esse estado é provocado por um acaso, por uma coisa eventual, seja o que for: o osso da minha perna bate num outro osso e eu me espanto e começo a raciocinar sobre isso e a querer expressar essa descoberta de que eu tenho um osso dentro de mim. E assim é tudo. Todos os meus poemas nascem do espanto."

Ferreira Gullar
(Em entrevista à Zero Hora)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A zona escura

"Por trás dos homens está a grande máquina das classes que avançam, a máquina impulsionada dos pequenos gestos cotidianos, a máquina onde outros gestos queimam sem deixar traços: a história. Tudo deve ser lógico, tudo deve ser entendido, na história como nas cabeças dos homens: mas entre uma e as outras há um salto, uma zona escura na qual as razões coletivas fazem-se razões individuais, com desvios monstruosos e conexões impensáveis."

Italo Calvino
(Traduzido livremente de "Il sentiero dei nidi di ragno", Mondatori 2006, pg 107)


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Agir moral

"A ação é o ponteiro da balança. Não devemos tocar no ponteiro, somente nos pesos que o governam."

Simone Weil
(Traduzido livemente de "Gravity and Grace", Emma Crawford (trad.), Routledge 2002, pg 49)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Um argumento em favor do acesso direto

"Se dou a alguém a seguinte ordem 'traga-me uma flor vermelha daquele campo', como ele irá saber que tipo de flor trazer se eu apenas forneci uma palavra? Alguém pode sugerir que ele sai em procura da flor vermelha carregando uma imagem de vermelho na sua mente e comparando-a com as flores ao redor para ver qual delas tem a cor da imagem. (...) Mas esta não é a única maneira de procurar e não é a maneira usual. Nós vamos, olhamos ao redor, caminhamos até alguma e colhemos a flor, sem compará-la a nada. Para ver que o processo de obedecer àquela ordem pode ser deste tipo, considere agora a seguinte ordem: 'imagine uma área vermelha'. Você não estará tentado neste caso a supor que antes de obedecer à ordem você deve ter imaginado uma área vermelha para servir de modelo para o vermelho que você foi ordenado a imaginar."

Ludwig Wittgenstein
(Traduzido livremente de 'The Blue Book', Harper 1960, pg 3)

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Motivos para morrer

"Era difícil ser fiel a Cristo. Requeria-se uma fidelidade baseada em nada. Muito mais fácil era ser fiel a Napoleão, mesmo quando isto implicava em morte. E a lealdade era também mais fácil para os mártires cristãos depois de Cristo, porque a Igreja já estava lá, uma força com promessas temporais. Morremos por aquilo que é forte, não por aquilo que é fraco; ou então por aquilo que é fraco momentaneamente mas ainda mantém uma áurea de força. A lealdade a Napoleão em Santa Helena não é uma lealdade ancorada no vazio. Morrer por aquilo que é forte furta da morte sua amargura - e ao mesmo tempo todo o seu valor."

Simone Weil
(Traduzido livemente de "Gravity and Grace", Emma Crawford (trad.), Routledge 2002, pg 24)

sábado, 18 de fevereiro de 2012

The true art is pointless

"O despropósito da arte, sua ausência de sentido, não é como o despropósito de um jogo; é o despropósito da própria vida humana, e a forma na arte é propriamente a simulação da ausência de sentido do universo".

Iris Murdoch
(Traduzido livremente de 'The Sovereignty of Good', Routledge 2009, pg 84)

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Uma (curta) refutação de longos argumentos

"Dizer que o mundo não vale nada, que a vida é sem valor, e usar como prova o mal que há no mundo é um absurdo, pois se estas coisas não valem nada, o que o mal tira de nós?"

Simone Weil
(Traduzido livemente de "Gravity and Grace", Emma Crawford (trad.), Routledge 2002, pg 84)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Ilusão de liberdade

"A liberdade é, eu acho, um conceito composto. A sua parte verdadeira é simplesmente um nome para um aspecto da virtude relacionada de modo particular com a clarificação da visão e a dominação de qualquer impulso egoísta. A parte falsa e mais popular é um nome para os movimentos auto-assertivos da vontade egoísta e iludida que, por nossa total ignorância, é tomada como sendo autônoma."

Iris Murdoch
(Traduzido livremente de 'The Sovereignty of Good', Routledge 2009, pg 97)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O Bem e o Fim

"O bem não tem nada a ver com propósito, finalidade, de fato ele exclui qualquer idéia de finalidade. 'Tudo é vaidade' é o início e o fim da ética. O único modo genuíno de ser bom é ser bom 'por nada', no meio de uma cena em que toda coisa 'natural', incluindo nossa própria mente, é sujeita ao acaso, isto é, à necessidade". 

Iris Murdoch
(Traduzido livremente de 'The Sovereignty of Good', Routledge 2009, pg 69)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Inimigo

"O maior inimigo da excelência moral (e também artística) é a fantasia pessoal: o tecido de auto-engrandecimento, desejos consoladores e sonhos que previne a visão clara do que está lá fora."

Iris Murdoch
(Traduzido livremente de 'The Sovereignty of Good', Routledge 2009, pg 57)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Saber estudar (é saber viver)

"A 'techné' que Platão pensou ser a mais importante era a matemática, porque era a mais rigorosa e abstrata. Eu tomarei um exemplo de uma 'techné' mais próxima de mim: aprender uma língua. Se estou aprendendo, por exemplo, Russo, sou confrontada com uma estrutura de autoridade que me impõe respeito. A tarefa é difícil e o objetivo é distante e talvez nunca completamente atingível. Meu trabalho é uma revelação progressiva de algo que existe independentemente de mim. A atenção é recompensada pelo conhecimento da realidade. O amor do idioma leva-me para longe de mim mesmo, em direção a algo estranho, algo que minha consciência não é capaz de dominar, engolir, negar ou dissolver. A honestidade e humildade requerida do estudante - não pretender conhecer o que não conhece - é a preparação para a honestidade e humildade do acadêmico que nem mesmo sente a tentação de suprimir os fatos que são contrários a sua teoria. É claro que a techné pode ser mal usada; um cientista pode até sentir que deve abandonar sua área de pesquisa se souber que suas descobertas seriam usadas para o mau. Mas excetuando-se estes contextos especiais, estudar é normalmente um exercício de virtude assim como de talento, e mostra-nos um modo fundamental através do qual a virtude está relacionada com o mundo."

Iris Murdoch
(Traduzido livremente de 'The Sovereignty of Good', Routledge 2009, pg87)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Ego



"Existe algo sobre você que você não sabe. Algo que você vai negar que exista, até que seja tarde demais para fazer alguma coisa a respeito. É a única razão pela qual você se levanta de manhã. A única razão que faz você sofrer pelo péssimo patrão, a razão pela qual você derrama o sangue, o suor, as lágrimas. É porque você quer que as pessoas saibam quão bom, atraente, generoso, engraçado, selvagem e inteligente você realmente é. Temam-me ou venerem-me, mas, por favor, achem que eu sou especial! Partilhamos todos de um mesmo vício. Nós somos lixos drogados! Estamos todos na mesma, esperando o tapinha nas costas, o relógio de ouro, hip, hip, hoo-fucking-rah! Olha o menino esperto com o crachá, polindo seu troféu. Shine, you crazy diamond ... porque nós somos apenas um bando de macacos envoltos em ternos, implorando pela aprovação dos outros!"


Do filme "Revolver" (2005) de Guy Ritchie.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O problema da filosofia

"A filosofia trata, frequentemente, do problema de encontrar o modo e a situação ideais para se dizer o óbvio."

Iris Murdoch

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A questão

"Na filosofia, é muito difícil dizer se alguém está proferindo algo razoavelmente objetivo e público, ou se está somente erguendo uma barreira, cara ao seu próprio temperamento, contra seus próprios medos. (É sempre uma questão significativa a respeito de qualquer filósofo: 'do que ele tem medo?')."

Iris Murdoch
(Traduzido livremente de 'The Sovereignty of Good', Routledge 2009, pg 71)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Sabedoria Moral

"Um profundo paradoxo da filosofia moral é a associação, por parte de quase todos os filósofos, da bondade com o conhecimento, com a sabedoria: mostrar tal relação em um nível de detalhe, mostrar a "realidade" como "una", parece envolver uma prejuízo despropositado de alguns aspectos morais. Uma percepção aguda desta dificuldade levou alguns filósofos contemporâneos a tratar de modo axiomático o naturalismo como um falácia. Mas eu gostaria de sugerir que, para o senso comum e na ordinária, não-filosófica, reflexão sobre a natureza da moral, é perfeitamente óbvio que a bondade é conectada com conhecimento: porém, não com o conhecimento impessoal, quase-científico, do mundo - seja lá o que isto for - mas com uma percepção refinada, honesta da verdade, com um justo e paciente discernimento e uma cuidadosa exploração daquilo com que se confronta, algo que é resultado não de um simples "abrir os olhos", mas de um tipo particular e certamente familiar de disciplina moral." 

Iris Murdoch
(Traduzido livremente de 'The Sovereignty of Good', Routledge 2009, pg 37)