sábado, 30 de abril de 2011

Agradecimento a Sabato

"Hoje, olhando para trás e tentando tirar de minhas errâncias algum ensinamento, primeiro quero te agradecer a mão de longe estendida. Depois, agradecer a Deus por não existir, ausência que permite ao homem este vagido 'solitário e solidário', como escreveu Camus, que chamamos literatura."

Janer Cristaldo
(Em carta ao grande Ernesto Sabato - que faleceu hoje, por triste ironia em um Sábado - contida em "Mensageiros das Fúrias - uma leitura camusiana de Ernesto Sábato")

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Morte em vida

" - Eles não nos pegarão - eu disse - Porque você é muito corajoso. Nada acontece aos corajosos.
   - Eles morrem, é claro.
   - Mas somente uma vez. O covarde morre mil vezes, o corajoso apenas uma vez."

Ernest Hemingway
(Traduzido livremente de "A Farewell to Arms", Scribner 2003, pg 139)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A traição da Esperança

"No fim da vida, a maioria dos homens percebe, surpesa, que viveu provisoriamente e que as coisas que largou como sem graça ou sem interesse eram, justamente, a vida. E assim, traído pela esperança, o homem dança nos braços da morte."

Arthur Schopenhauer
(Em "Parerga e Paralipomena" vol 2)

terça-feira, 26 de abril de 2011

Externalismo Linguístico

"Devemos concluir que a linguagem não é uma propriedade dos cérebros humanos, mas, ao invés, da sociedade e cultura humana. Se todas pessoas vivas subitamente fossem tornadas incapazes de falar e analfabetas, as gerações sucessoras seriam incapazes de falar apesar de possuírem cérebros normais, e a linguagem, a mais distinta de todas as características humanas, seria perdida para sempre."

Bruce E. Wexler
(Traduzido livremente de "Brain and Culture", MIT 2006, pg 121)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Mente-Mundo

"Assim como um bastão estende nosso alcance e possui o potencial de estender nosso esquema corporal, também a linguagem estende nossas capacidades de pensamento e portanto pode ser tratada como extensora do nosso esquema mental. Na medida em que a linguagem é ela mesma socialmente construída e compartilhada por comunidades lingüística, então esta extensão das nossas potencialidades cognitivas requer para seu próprio exercício um ambiente sócio-lingüístico. Nossas mentes cruzam para fora de nossas cabeças em um andaime sócio-lingüístico compartilhado por todos."
Alva Noe
(Traduzido livremente de "Out of our Heads", Hill and Wang 2009, pg 88)

domingo, 24 de abril de 2011

O Soldado e a Pedra

"A sua era uma mente esplêndida. Pois se o pensamento é como o teclado de um piano, dividido em tantas notas, ou então como o alfabeto com 26 letras ordenadas, então a sua mente esplêndida atingira, uma por uma, firmemente e acuradamente, até a letra, digamos, Q. Ele atingira Q. Pouquíssimas pessoas em toda Inglaterra atingiram Q. [...] Mas depois de Q? O que vem? [...] Ele então percebia, com algum desgosto, aquela velha e óbvia distinção entre as duas classes de homens: de um lado os corredores incansáveis, com forças super-humanas, sempre perseverantes, capazes de repetir o alfabeto inteiro, em ordem, 26 letras no total, do início ao final; do outro os abençoados, os inspirados que miraculosamente vislumbravam todas as letras de uma vez só em um lampejo - da maneira do gênio. Ele não era um gênio; não pretendia ser um gênio: mas tinha, ou poderia ter tido, o poder de repetir todas as letras do alfabeto de A a Z, acuradamente e em ordem. No momento estava emperrado no Q. Avante, então, avante em busca do R. 

Tais sentimentos não colocariam em desgraça um líder que, agora que a neve começou a derreter e o topo da montanha está coberto de névoa, sabe que deve deitar-se e morrer antes que a manhã chegue, tirando vantagem, empalidecendo seus olhos, dando-lhe o olhar esbranquiçado da mirrada velhice. Mas não, não irá morrer deitado: ele irá encontrar alguma rocha e lá, com seus olhos fixos na tempestade, tentando juntar os pedaços de escuridão, irá morrer em pé. Sem nunca atingir o R.


Ele ficou imóvel olhando para o baú com o gerânio. Quantos homens em um bilhão, perguntou-se, alcançam Z no final das contas? Certamente um líder de tal esperança miserável poderia questionar-se isto, e responder, sem deslealdade àqueles que o seguem, 'Um talvez'. Um em uma geração. Pois ele deve ser culpado por não ser este um? Dado que trabalhou honestamente, deu seu melhor, e não possui mais nada para dar? E a fama deste um dura quanto? É admissível mesmo para um herói moribundo pensar antes de morrer em quantos homens irão falar dele a partir de então. Sua fama dura talvez dois mil anos. E o que são dois mil anos? (perguntou Mr Ramsay ironicamente, olhando para o canto). O quê, de fato, se você olha do alto de uma montanha as longas perdas das gerações? As próprias pedras, chutadas por nossos sapatos velhos, durarão mais do que Shakespeare! A sua luz, ao invés, irá brilhar, não muito forte, por um ano ou dois, e então irá fundir-se com alguma luz maior, e esta em uma ainda maior. (Ele olhou para o canto, para a complexidade dos ramos entrelaçados). Quem, então, poderia culpá-lo, o líder de uma festa abandonada que depois de tudo subira suficientemente alto para ver o desperdício dos anos e a morte das estrelas, se antes da morte entesar seus membros além do poder do movimento, ele conscientemente levantar seus dedos até suas sobrancelhas, e balançar seus ombros, tal que quando vierem procurá-lo encontrarão-no morto em seu posto, a figura singela de um soldado? Mr Ramsay balançou seus ombros e permaneceu perfeitamente ereto ao lado do baú."

Virginia Woolf 
(Traduzido livremente de "To the Lighthouse", Wordsworth Classic 2002, pg 25-26)
 

sábado, 23 de abril de 2011

Caminho da vida

    "Caminante, son tus huellas
    el camino y nada más;
    Caminante, no hay camino,
    se hace camino al andar.
    Al andar se hace el camino,
    y al volver la vista atrás
    se ve la senda que nunca
    se ha de volver a pisar.
    Caminante no hay camino
    sino estelas en la mar"

Antonio Machado
("Proverbios y Cantares", XXIX)

sexta-feira, 22 de abril de 2011

A Tábua do Sentido do Mundo

"Alguns anos atrás, um homem venceu o prêmio nacional da loteria espanhola com um bilhete que terminava com o número 48. Orgulhoso da sua "conquista", ele revelou a teoria que o fez rico. 'Sonhei com o número 7 por sete anos consecutivos', disse, 'e 7 vezes 7 fazem 48'. Aqueles de nós com um melhor controle de nossa tábuas de multiplicação podem rir com o erro do homem, mas todos nós criamos nossas próprias visões do mundo e então aplicamo-nas para filtrar e processar nossas percepções, extraindo significado de um oceano de dados que nos atinge todos os dias. E nisto todos nós erramos, talvez de maneira menos óbvia, mas igualmente significativa."

Leonard Mlodinow
(Traduzido livremente de "The Drunkard's Walk", Pantheon Books 2008, prólogo)

quinta-feira, 21 de abril de 2011

A Justiça da Culpa

"A natureza profanada e o coração criminoso punem a si mesmos de maneira muito mais completa que qualquer justiça terrena!"

Fiódor Dostoiévski
("Os Irmãos Karamazov", trad. Paulo Bezerra, Editora 34 2009, pg 925)

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Caos Criativo

"É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante."

Friedrich Nietzsche
("Assim Falou Zaratustra", trad. Pietro Nassetti, Martin Claret 1999, pg 28)

terça-feira, 19 de abril de 2011

A Águia da alma

"Há uma águia de Catskill em algumas almas capaz de mergulhar nas profundezas dos mais negros desfiladeiros, e deles novamente elevar-se, tornando-se invisível no céu ensolarado. E mesmo se ela para sempre voar em desfiladeiros, tais gargantas profundas encontram-se nas montanhas; tal que  em seu mais baixo mergulho a águia ainda estará acima dos outros pássaros da planície, por mais alto que estes possam voar."



Herman Melville
(Traduzido livremente de "Moby Dick", Kindle Version, location 7818 - capítulo 96)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Teoria e Prática

"Do ponto de vista do nosso envolvimento colaborativo comum, o problema da mente dos outros [como saber se o outro é consciente] simplesmente não pode se dar: não porque não haja uma perspectiva teórica, distanciada e imparcial, de onde o problema pode ser formulado - claro que há - mas porque, de modo crucial, nós não podemos ocupar tal perspectiva, ao menos enquanto continuamos vivendo em colaboração com os outros. Louis Armstrong disse, quando perguntado pelo conceito de jazz, 'se você precisa perguntar, então você nunca irá saber'. Intimidade e confiança por vezes simplesmente não deixam nenhum espaço para reflexões teóricas. Não posso confiar em você, envolver-me, amá-lo e, ao mesmo tempo, estar curioso para saber se você, de fato, está vivo e possui pensamentos e sentimentos, do mesmo modo que não posso dançar bem se estou contando os passos e tentando lembrar dos próximos movimentos. Um certo afastamento teórico é incompatível com nosso mútuo envolvimento."

Alva Noe
(Traduzido livremente de "Out of our Heads", Hill and Wang 2009, pg 33)

sexta-feira, 15 de abril de 2011

A luta e o Indivíduo

"É a nossa acidez que nos faz indivíduos únicos. Como Tolstoy bem disse, todas as famílias felizes são exatamente iguais. O mesmo é válido para as pessoas: ao adequarem-se aos padrões da felicidade, eles acabam comportando-se sempre mais ou menos do mesmo jeito. É só nossa luta com o que Alan Watts chama de nosso 'elemento irredutível de patifaria' que nos distingue dos outros. Mostre-me o seu lado bom, seu rosto sob uma luz feliz, e eu verei apenas um princípio geral em ação. Mostre-me seu lado ruim e eu conhecerei você, pois é precisamente este lado que revela sua luta privada, interior."

Eric G. Wilson 
(Traduzido livremente de "Against Happiness", Ferrar Straus and Giroux 2008, pg 100)

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Nossas buscas

"No mundo há gente densa e gente imbecil. Tanto os primeiros como os segundos são extremamente chatos. Bonito é ver gente densa buscando sua imbecilidade e o imbecil buscando alguma densidade na vida.

Fernando Carlucci
(em seu blog, post de 11/4/11: http://blogdofernandito.blogspot.com/)

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O oceano das ondas que continuam ondas para sempre

"O mundo sem ele significará o fim da ansiedade? Um mundo em que as coisas ocorrem independentemente da sua presença e das suas reações, seguindo uma lei ou necessidade ou razão que não diz respeito a ele? Quebra a onda sobre as pedras e cava a rocha, uma outra onda sucede-se, uma outra, ainda uma outra, que ele esteja ou não esteja, tudo continua a acontecer. O alívio de se estar morto deveria ser isso: eliminada aquela mancha de inquietude que é a nossa presença, a única coisa que conta é o estender-se e o suceder-se das coisas debaixo do sol, em uma impassível serenidade. Tudo é calma ou tende à calma, também os furacões, os terremotos, as erupções de vulcões. Mas não era já este o mundo quando ele era ali? Quando cada tempestade trazia em si a paz do porvir, preparava o momento no qual todas as ondas teriam já batido na costa e o vento teria já exaurido sua força? Talvez estar morto é permanecer no oceano das ondas que continuam ondas para sempre. É portanto inútil esperar que o mar se acalme."

Italo Calvino
(Traduzido livremente de "Palomar")

terça-feira, 12 de abril de 2011

Imortalidade

"Entretidos em discutir a morte, anoiteceu e não acendemos a luz.
Não víamos o rosto um do outro.
Com doçura e sem fervor, a voz de Macedonio Fernandez repetia que a alma é imortal.
Garantia que a morte não é nada.
Morrer tinha que ser o menos importante que pode acontecer a um homem.
Eu, Jorge Luis Borges, brincava com a navalha de Macedonio: abria e fechava.
Um acordeon, numa casa vizinha, despachava "la cumparsita", essa choradeira infinita e consternada de que muita gente gosta porque inventaram que é velha.
Então, para podermos continuar discutindo em paz a imortalidade, propus a Macedonio que nos suicidássemos.
Francamente, não lembro se nos suicidamos naquela noite."

Jorge Luis Borges
(como citado no programa "Provocações" da TV Cultura)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Epistemologia da Insatisfação

"Para se alcançar a essência de qualquer experiência, é preciso sentir desesperadamente a necessidade de vivê-la. O homem sedento conhece a água com uma profundidade que nenhum homem  satisfeito poderia atingir."

Eric G. Wilson
(Traduzido livremente de "Against Happiness", Ferrar Straus and Giroux 2008, pg 89)

domingo, 10 de abril de 2011

Melancolia criativa

"Por que será que todos aqueles que se tornam eminentes em filosofia, ou política, ou poesia, ou artes em geral possuem claramente um temperamento melancólico?"

Aristóteles
("Problemas", livro XXX, item 1. Traduzido livremente a partir do inglês na tradução de J. Barnes)

sábado, 9 de abril de 2011

Idiotice Artística

"Generalizar é ser um idiota. Particularizar é a única distinção de mérito."

William Blake
(em carta de 1798, referindo-se ao trabalho de Sir Joshua Reynolds)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Homem vazio

"O problema está em se desejar demasiado controle, em se ansiar por um mundo que corresponda  sempre ao que queremos. Aqueles que buscam a felicidade completa, desejam necessariamente a autonomia completa, a habilidade de transformar os choques imprevisíveis da vida em um plano etéreo de onde eles poderão retirar tudo aquilo que desejarem, quando desejarem. Este lugar distante de irrestrita segurança é irreal, indecente e assustador. O homem feliz é o homem vazio."

Eric G. Wilson
(Traduzido livremente de "Against Happiness", Ferrar Straus and Giroux 2008, pg 27)

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A Liberdade de expressão não depende do conteúdo expresso

"Faço minha uma frase do linguista e militante esquerdsista norte-americano Noam Chomsky: 'Se você acredita em liberdade de expressão, então acredita em liberdade para exprimir opiniões que você não gosta. Stálin e Hitler, por exemplo, eram ditadores favoráveis à liberdade de exprimir apenas opiniões que eles gostavam. Se você é a favor da liberdade de expressão, isso significa que você é a favor da liberdade de exprimir precisamente as opiniões que você despreza'. 

Com efeito, ninguém precisa de licença ou autorização para dizer o que todos querem ouvir. Ou bem o instituto da liberdade de expressão existe para abarcar casos como o de Bolsonaro, ou ele se torna um penduricalho inútil na legislação, uma palavra de ordem no máximo.

Hélio Schwarsman
(em sua coluna de hoje na Folha de São Paulo)

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O Desfile do Rei

"Nós engordamos todos os outros seres para que nos engordem; e engordamos para engordar as larvas. O rei obeso e o mendigo esquálido são apenas variações de um menu - dois pratos mas na mesma mesa; isso é tudo. (...) Um homem pode pescar com o verme que comeu o rei e comer o peixe que comeu o verme. (... o que é que você quer dizer com isso?) Nada, senão demostrar-lhe que um rei pode fazer um belo desfile pelas tripas de um mendigo."

William Shakespeare
("Hamlet", trad. Millôr Fernandes, L&PM 2004, pg 96)

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Não explique, viva

"Os mundos novos têm de ser vividos, mais do que explicados. Aqueles que aqui vivem não o fazem por convicção intelectual; acreditam, simplesmente, que a vida suportável é esta e não a outra. Preferem este presente ao presente dos fazedores do Apocalipse. O que se esforça para compreender muito, o que sofre as aflições de uma conversão, o que pode alimentar uma ideia de renúncia ao abraçar os costumes daqueles que forjam seus destinos sobre este pântano original, em luta travada com as montanhas e as árvores, é homem vulnerável porque certas potências do mundo que deixou para trás continuam atuando sobre ele."

Alejo Carpentier
("Passos Perdidos", trad. Marcelo Tápia, Martins Fontes 2009, pg 296)