domingo, 30 de setembro de 2012

Lição de uma (anti-)Arquivologia Natural

"Quando percorremos as bibliotecas, convencidos destes princípios, que devastação não deveremos produzir? Se tomarmos em nossas mãos um volume qualquer, de teologia ou metafísica escolástica, por exemplo, façamos a pergunta: Contém ele qualquer raciocínio abstrato referente a números e a quantidades? Não. Contém qualquer raciocínio experimental referente a questões de fato e de existência? Não. Às chamas com ele, então, pois não pode conter senão sofismas e ilusão."

David Hume
(Em "Investigações sobre o Entendimento Humano e sobre os Princípios da Moral", José Oscar de Almeida Marques (trad.), Editora UNESP, 2003 - Parte I: "Uma Investigação sobre o Entendimento Humano", seção XII, parágrafo 34)

sábado, 29 de setembro de 2012

Perda de tempo

"O que é o tempo? Um mistério: é imaterial e - onipotente. É uma condição do mundo exterior; é um movimento ligado e mesclado à existência dos corpos no espaço e à sua marcha. Mas deixaria de haver tempo se não houvesse movimento? Não haveria movimento sem o tempo? É inútil perguntar. É o tempo uma função do espaço? Ou vice-versa? Ou são ambos idênticos? Não adianta prosseguir perguntando. O tempo é ativo, tem caráter verbal, "traz consigo". Que é que traz consigo? A transformação. O Agora não é o Então; o Aqui é diferente do Ali; pois entre ambos se intercala o movimento. Mas, visto ser circular e fechar-se sobre si mesmo o movimento pelo qual se mede o tempo, trata-se de um movimento e de uma transformação que quase poderiam ser qualificados de repouso e de imobilidade: o Então repete-se constantemente no Agora, e o Ali repete-se no Aqui. Como, por outro lado, nem sequer os mais desesperados esforços nos podem fazer imaginar um tempo finito ou um espaço limitado, decidimo-nos a configurar eternos e infinitos o tempo e o espaço, evidentemente na esperança de obter dessa forma um resultado, senão perfeito, ao menos melhor. Ora, estabelecer o postulado do eterno e do infinito não significa, porventura, o aniquilamento lógico e matemático de tudo quanto é limitado e finito, e a sua redução aproximada a zero? É possível uma sucessão no eterno ou uma justaposição no infinito? São compatíveis com as hipóteses de emergência do eterno e do infinito, conceitos como os da distância, do movimento, da transformação, ou a simples existências de corpos limitados no Universo? Quantas perguntas improfícuas!

Thomas Mann
(Em "A Montanha Mágica", Herbert Caro (trad.), Círculo do livro 1952, pg 417)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Moscas na vidraça

"Assim os físicos falam em teorias das cordas, em um universo em forma de donut, ou de bola de futebol, e isso é apenas o som da mente humana se chocando contra os limites da linguagem, como moscas (para usar outra analogia) na vidraça." 

Luís Fernando Veríssimo
(Em sua coluna de hoje no Estadão)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Mídia e democracia

"Eis a suprema ironia: a mídia assume-se como o "quarto poder", destinado a vigiar e a denunciar os abusos de todos os outros. Mas a própria mídia serve de instrumento, voluntário ou involuntário, para dar luz e palco a personagens que jamais seriam eleitas por suas exclusivas habilitações. 

O resultado dessa perversidade é que cresce cada vez mais o abismo entre políticos que merecem ganhar eleições (independentemente da imagem) e políticos que podem ganhar eleições (independentemente da competência). A democracia midiática premia os segundos e ignora os primeiros. 

 Hoje, o obeso Churchill e o paralítico Roosevelt seriam ofuscados por um palhaço qualquer. Azar o deles? Não. Azar o nosso, leitor. Quem elege palhaços, acaba vivendo num circo."

João Pereira Coutinho
(Em sua coluna de hoje no Estadão)

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Erros distintos

"Os erros da religião são perigosos, os da filosofia, apenas ridículos"

David Hume
(Em "Tratado da Natureza Humana", Editora UNESP, 2000, pg 304).

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O homem, sua natureza, sua filosofia

"O homem é um ser racional e, como tal, recebe da ciência seu adequado alimento e nutrição. Tão estreitos, porém, são os limites do entendimento humano que pouca satisfação pode ser esperada nesse particular, tanto no tocante à extensão quanto à confiabilidade de suas aquisições. Além de um ser racional, o homem é também um ser sociável, mas tampouco pode desfrutar sempre de companhia agradável e divertida, ou continuar a sentir por ela a necessária atração. O homem também é um ser ativo, e é forçado, por essa inclinação e pelas variadas necessidades da vida humana, a dedicar-se aos negócios e ofícios; mas a mente exige algum descanso e não pode corresponder sempre a sua tendência ao trabalho e à diligência. Parece, então, que a natureza estipulou uma espécie mista de vida como a mais adequada aos seres humanos, e secretamente os advertiu a não permitir que nenhuma dessas inclinações se imponha excessivamente, a ponto de incapacitá-los para outras ocupações e entretenimentos. "Satisfaz tua paixão pela ciência", diz ela, "mas cuida para que essa seja uma ciência humana, com direta relevância para a prática e a vida social. O pensamento abstruso e as investigações recônditas são por mim proibidos e severamente castigados com a pensativa tristeza que ensejam, com a infindável incerteza em que serás envolvido e com a fria recepção dedicada a tuas pretensas descobertas, quando comunicadas. Sê um filósofo, mas, em meio a toda tua filosofia, não deixes de ser um homem."

David Hume
(Em "Investigações sobre o Entendimento Humano e sobre os Princípios da Moral", José Oscar de Almeida Marques (trad.), Editora UNESP, 2003 -  Parte I: "Uma Investigação sobre o Entendimento Humano", seção I, parágrafo 6)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Dois lados

"Assim como as adulações dos amigos nos pervertem, as censuras dos inimigos nos reformam."

Agostinho de Hipona
(Em "Confissões", J. Oliveira Santos (tradutor), Vozes - edição de bolso - 2011, pg 200)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Informe-se

"Eu jamais sou otimista. Otimismo é má informação." 

Carlos Heitor Cony
(Em entrevista à Folha)

domingo, 16 de setembro de 2012

Conflitos internos

"O esforço excessivo da imaginação sempre impede o fluxo regular das paixões e sentimentos. Um poeta trágico que representasse seus heróis como muito engenhosos e espirituosos em meio a seus infortúnios jamais conseguiria tocar as paixões. Assim como as emoções da alma impedem qualquer raciocínio e reflexão sutil, essas últimas ações da mente são igualmente prejudiciais à primeira."

David Hume
(Em "Tratado da Natureza Humana", Editora UNESP, 2000, pg 219).

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Eleições

"Os políticos e as fraldas devem ser trocados frequentemente e pela mesma razão"

Eça de Queiroz
(Como citado por Roberto daMatta em sua coluna de hoje no Estadão)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

English-man

"De posse de um nosso 'porquê' para a vida, seguiríamos adiante com qualquer que fosse o 'como'. O homem não ambiciona o próprio prazer, são só os ingleses que o fazem."

Friedrich Nietzsche
(Traduzido livremente de "The Twilight of Idols" - "Maxims and Arrows", Aforismo 12; em: "The Portable Nietzsche", Walter Kaufman (ed.), Penguin, 1977)


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Musculação moral

"Em tempos de tensão e vulnerabilidade, escolha a guerra: ela endurece, produz músculos." 

Friedrich Nietzsche
(Traduzido livremente de "The Will to Power", Walter Kaufman (trad.), Vintage, 1968 - Livro IV, Entrada 1040, pg 535)

domingo, 2 de setembro de 2012

A imprensa das massas

"Na nossa época, quando a gente recebia uma cartinha de leitor, a gente dizia, "esse cara é um louco", o cara que escreve cartinha para um jornal é um doido. Foi doido até a internet. Depois da internet ele ganhou um peso, ele virou alguém ... que tem voz, e infelizmente a imprensa segue o que esse idiota está falando. Eu sinto terror por essa transformação. No nosso tempo a gente dava para o secretário de redação escolher a [carta] que tinha um pouco mais de gramática. Mas era o desprezo mais absoluto. Porque o jornalista é que tinha que ver qual era a matéria mais importante, e não se basear na internet para ver o que podia vender mais jornais.... A imprensa se sujeitou bastante a isso ... agora mesmo o Mario Sérgio falou que o nosso programa está em quinto lugar no twitter. Como se isso significasse algo positivo. Não significa nada."

Diogo Mainardi
(Em entrevista ao Roda Viva, 20/08/2012)

sábado, 1 de setembro de 2012

Os mares abertos da verdade

"E alguém que contradiz a si mesmo mil vezes e segue por diversos caminhos, veste inúmeras máscaras e encontra-se sempre sem saída, sem horizonte: é possível que tal pessoa aprenda menos sobre a verdade do que aquele virtuoso Estóico, estabelecido de uma vez por todas em seu próprio lugar? Tais preconceitos encontram-se nos limiares de todas as filosofias correntes: e especialmente o preconceito de que a certeza é melhor que a incerteza e seus mares abertos."

Friedrich Nietzsche
(Traduzido livremente de como citado por Karl Löwith em "Nietzsche's Philosophy of the Eternal Recurrence of the Same", University of California Press, 1997, pg 15)