"O homem é um ser racional e, como tal, recebe da ciência
seu adequado alimento e nutrição. Tão estreitos, porém, são
os limites do entendimento humano que pouca satisfação
pode ser esperada nesse particular, tanto no tocante à extensão
quanto à confiabilidade de suas aquisições. Além de um ser racional, o homem é também um ser sociável, mas tampouco
pode desfrutar sempre de companhia agradável e divertida,
ou continuar a sentir por ela a necessária atração. O homem também é um ser ativo, e é forçado, por essa inclinação e pelas variadas necessidades da vida humana, a dedicar-se
aos negócios e ofícios; mas a mente exige algum descanso e
não pode corresponder sempre a sua tendência ao trabalho e à diligência. Parece, então, que a natureza estipulou uma espécie
mista de vida como a mais adequada aos seres humanos,
e secretamente os advertiu a não permitir que nenhuma
dessas inclinações se imponha excessivamente, a ponto de incapacitá-los para outras ocupações e entretenimentos. "Satisfaz
tua paixão pela ciência", diz ela, "mas cuida para que
essa seja uma ciência humana, com direta relevância para a
prática e a vida social. O pensamento abstruso e as investigações recônditas são por mim proibidos e severamente castigados
com a pensativa tristeza que ensejam, com a infindável
incerteza em que serás envolvido e com a fria recepção dedicada
a tuas pretensas descobertas, quando comunicadas. Sê um filósofo, mas, em meio a toda tua filosofia, não deixes de
ser um homem."
David Hume
(Em "Investigações sobre o Entendimento Humano e sobre os Princípios da Moral", José Oscar de Almeida Marques (trad.), Editora UNESP, 2003 - Parte I: "Uma Investigação sobre o Entendimento Humano", seção I, parágrafo 6)