domingo, 27 de novembro de 2011

Biscoitos

"Sabe aquelas caixas de biscoitos sortidos? Há sempre biscoitos que lhe agradam e outros dos quais não gosta. Quando começa a pegar subitamente todos os bons biscoitos, depois sobram somente aqueles que não são do seu agrado. É isso que penso sempre nos momentos de crise. É melhor resolver de uma vez as coisas ruins e depois tudo andará bem. Porque a vida é uma caixa de biscoitos."

Murakami Haruki
(Traduzido livremente da versão italiana de "Norwegian Wood", trad. Giorgio Amitrano, Eunadi 2006, pg 323)

sábado, 26 de novembro de 2011

O silêncio piedoso

"A piedade é um sentimento tão terrível e inútil - você precisa engarrafá-lo e guardá-lo para si. Se tentar expressá-lo só irá piorar ainda mais as coisas."

Paul Auster
(Traduzido livremente de "Invisible", Faber and Faber, 2009, pg 123)

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Anyway is the only way

(o video que constava neste post foi retirado porque o ECAD absurdamente cobra direitos autorais de blogueiros que retransmitem videos do youtube)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Níveis, emergência e reducionismo

"O que se tornou óbvio para a maioria dos físicos é que diferentes níveis de estruturas possuem diferentes tipos de organização com tipos completamente distintos de interação governadas por diferentes leis; e um nível emerge do outro mas não emerge de forma previsível. Isto é verdade até mesmo para algo tão básico quanto o congelamento da água, como o físico Robert Laughlin observou: o gelo possui ao menos 11 fases distintas, e nenhuma delas pode ser prevista por primeiros princípios. As bolas de bilhar na minha sala-de-estar são feitas de átomos que se comportam como previsto pela mecânica quântica; mas quando estes átomos microscópicos reunem-se para formar bolas de bilhar, um novo comportamento emerge governado agora pelas leis de Newton. As leis de Newton não são fundamentais: são emergentes; isto é, elas são o que acontece quando a matéria quântica encontra-se agregada em fluidos macroscópicos e objetos macroscópicos. É um comportamento de organização coletiva. O importante é que você não pode prever as leis de Newton observando o comportamento de átomos, nem o comportamento de átomos a partir das leis de Newton. Novas propriedades emergem, propriedades que os precursores não possuem. Isto definitivamente joga um balde d'água nas pretensões reducionistas, assim como nas hipóteses deterministas. Se lembrarmos bem, o corolário do determinismo é que todo evento, ação, etc são predeterminados e podem ser antecipados (se todos os parâmetros forem conhecidos). Mas mesmo que todos os parâmetros dos átomos individuais sejam conhecidos, eles não podem prever a lei de Newton para os objetos. Não podem prever nem mesmo a estrutura cristalina do gelo quando a água congela."

Michael Gazzaniga
(Traduzido livremente de "Who is in Charge? Free will and the Science of the Brain", Kindle version 2011, Kindle location 2004 - capitulo 4).

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Metafísica, ceticismo e a filosofia

"Eu acho que entendemos melhor esta situação [argumentos de quem pretende ler Wittgenstein como um relativista em relação a outras culturas ditas 'inferiores'] se vermos o relativismo não como uma cura ou um alívio da doença que é 'sentir falta de uma fundação metafísica', mas, ao contrário, se vermos ambos o relativismo E o desejo por fundação metafísica como duas manifestações da mesma doença. O que se deve dizer ao relativista é que algumas coisas são verdades, outras são razoáveis, mas é claro que nós só podemos DIZER verdades e coisas razoáveis se tivermos uma linguagem apropriada. E temos tal linguagem, e podemos dizer - e de fato dizemos - verdades, mesmo que esta linguagem não esteja fundada em garantias metafísicas. Sobre o que então está ela fundada? Wittgenstein dá a resposta simples e chocante: na confiança.
'- Em que posso basear-me?
- Eu realmente quero dizer que um jogo de linguagem só é possível quando se confia em algo (eu não disse 'quando se pode confiar em algo').' [On Certainty - par. 508 e 509]
 "Nossos jogos de linguagem não estão baseados em provas ou na Razão mas em confiança. Algo em nós acha que isto é difícil de engolir. O quanto é difícil e como nos giramos e lutamos em busca de uma garantia transcendental ou uma saída cética é algo que Stanley Cavell magnificamente tratou em uma série de livros. (...) Para Cavell, a pretensão de que há uma grande solução metafísica para todos os nossos problemas e as saídas céticas, relativistas ou niilistas são sintomas da mesma doença. A doença é a inabilidade de aceitar o mundo e de aceitar as outras pessoas, sem pedir por garantias. Algo em nós almeja mais do que podemos ter e ao mesmo tempo foge do que podemos ter. 

"Não é que o relativismo ou o ceticismo sejam irrefutáveis. Ambos são facilmente refutáveis assim que eles são afirmados como posições, mas eles nunca morrem porque a atitude de alienação do mundo e da comunidade não é apenas uma teoria e não pode ser superada puramente por argumentos intelectuais. De fato, não é nem mesmo correto referir a isto como uma doença; pois um dos pontos de Cavell é que desejar estar totalmente livre do ceticismo é também um modo de desejar estar livre da humanidade. Ser alienado é parte da condição humana e o problema é aprender a viver tanto com a alienação quanto com o reconhecimento. 

"Eu dediquei todo este tempo a Ludwig Wittgenstein porque penso que ele nos dá um exemplo de como a reflexão filosófica pode ser outra coisa sem ser criar tempestades novas em velhas xícaras de chá, ou encontrar novas xícaras de chá para criar tempestades dentro delas. Em seu melhor, a reflexão filosófica pode nos dar uma inesperadamente honesta e clara visão da nossa própria situação, não uma 'visão de lugar algum', mas uma visão através dos olhos de um ou outro sábio, imperfeito, profundamente particular ser humano. Se Wittgenstein quer fazer uma fogueira das nossas vaidades filosóficas, isto não é por puro sadismo intelectual; se estou lendo Wittgenstein corretamente, estas vaidades, na sua visão, são o que nos impede de confiar e, talvez ainda mais importante, o que nos afasta da compaixão."


Hilary Putnam
(Traduzido livremente de "Renewing Philosophy", Harvard Univ. Press, 1992, pg 177-179)

domingo, 20 de novembro de 2011

O que é a filosofia?

"O principal objetivo da filosofia é esclarecer, liberar e estender os bens inerentes às funções naturalmente geradas pela experiência humana. Não tem nenhum propósito de criar um mundo de "realidade", nem de desvendar os segredos do Ser que estão escondidos do senso comum e da ciência. Ela não possui uma fonte própria de informação ou um corpo de conhecimento peculiar; se não parece sempre ridícula quando enfrenta a ciência é só porque o filósofo, enquanto ser humano, também é um profeta da ciência. O trabalho do filósofo é aceitar e utilizar para seu propósito o maior conhecimento disponível do seu tempo. E o seu propósito é a crítica de crenças, instituições, costumes, diretrizes com relação ao que é bom. Isto não significa que os filósofos possuem uma relação especial com o bem, considerado como algo que é formulado e atingível de dentro da filosofia. Pois como a filosofia não possui nenhuma fonte própria de informação, não tem acesso privado ao bem. Como ela aceita o conhecimento dos fatos e princípios da ciência e da instigação humana, ela aceita os bens que são difundidos na experiência humana. Não há nenhum autoridade de revelação na filosofia. Mas ela tem a autoridade da inteligência e da crítica destas noções comuns." 

John Dewey
(Traduzido livremente de "Experience and Nature", Open Court 1926, pg 407)

sábado, 19 de novembro de 2011

Democracia e Maioria

"É um profundo equívoco pensar que um governo pela maioria, por si mesmo, implica em democracia. Uma maioria que não escuta as opiniões que a encomodam não é capaz de engajar-se em uma conduta inteligente de investigação social comum, ao menos não mais que uma elite no poder que impede a maioria de decidir; e a conduta inteligente de investigação comum é tudo o que a democracia significa"

Hilary Putnam
(Traduzido livremente de "Renewing Philosophy", Harvard Univ. Press, 1992, pg 200)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Uma questão de método filosófico: Sartre e Wittgenstein

"Mary Warnock uma vez disse que Sartre não deu nenhum argumento ou prova mas sim 'uma descrição tão clara e vívida que quando penso sobre ela e visto-a na minha própria perspectiva, não posso deixar de ver sua validade'. Parece-me que esta é uma ótima descrição do que o próprio Wittgenstein estava fazendo, não apenas no argumento sobre a linguagem privada, mas repetidamente em sua obra. Suponha que nós simplesmente descrevamos com cuidado e atenção a maneira que usamos a palavra 'verdade', suponha que venhamos a dar sua 'fenomenologia'. Iremos então descobrir que a afirmação que 'verdade' significa a propriedade de 'ser aquilo que eu acreditaria se continuasse a investigar' é simplesmente errada."

Hilary Putnam
(Traduzido livremente de "Renewing Philosophy", Harvard Univ. Press, 1992, pg 75)

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Religião: uma forma de vida

"O discurso religioso só pode ser compreendido em profundidade por aqueles que entendem a forma de vida de quem participa de tal discurso. O que caracteriza esta forma de vida não é a expressão das crenças que a acompanha, mas um modo de viver a vida - um modo que inclui palavras e imagens, mas que está longe de consistir apenas em palavras e imagens - uma maneira de regular todas as decisões durante a vida. O crente, Kierkegaard, diria algo que Wittgenstein não diz, mas com o que, penso, ele iria concordar: a saber, que uma pessoa pode pensar e dizer todas as palavras certas e mesmo assim viver uma vida profundamente não religiosa. De fato, Kierkegaard insiste que uma pessoa pode pensar que ele ou ela está adorando Deus e na realidade não passar de uma adoração a um ídolo. (Eu suspeito que esta seja uma das razões que motivaram tanto ódio dos fundamentalistas contra Kierkegaard. Para este uma vida religiosa autêntica é caracterizada por uma preocupação constante de não cair no erro de susbsituir a idéia de Deus por uma criação própria narcisística; e esta preocupação deve expressar-se em tanta incerteza quanto for a certeza. Para Kierkegaard, estar absolutamente certo que você irá "nascer de novo" [que há o paraíso, que as escrituras estão corretas, ...] é sinal de que você está perdido.) O que Kierkegaard e Wittgenstein têm em comum é a idéia que compreender as palavras de uma pessoa propriamente religiosa é inseparável do entendimento da sua forma de vida, e isto não diz respeito à uma teoria semântica [significado das palavras ditas], mas sim a compreender um ser humano." 

Hilary Putnam
(Traduzido livremente de "Renewing Philosophy", Harvard Univ. Press, 1992, pg154)

O sonho vão do idealista

"Parte do desafio que idealistas como Hegel e Fichte nos propõem é dizer 'Bem, se você afirma que estes dois modos distintos de falar são ambos descrições da mesma realidade, então descreva esta realidade como ela é, independentemente dos nossos modos de usar a linguagem'. Mas quem disse que a realidade pode ser descrita independentemente das nossas descrições? E por que o fato da realidade não poder ser descrita independentemente das nossas descrições deve nos levar a supor que na verdade tudo o que há são descrições? De acordo com nossas próprias descrições, a palavra 'quark' é uma coisa enquanto um quark é uma outra coisa bem diferente. (...) Enquanto continuarmos pensando que a realidade em si mesma, se vista com suficiente seriedade metafísica, irá determinar o modo como nós devemos usar palavras como 'objetos' e 'propriedades', não seremos capazes de ver como o número e tipo de objetos e de suas propriedades podem variar de uma descrição correta da situação a outra descrição correta da mesma situação. Apesar das nossas proposições 'corresponderem à realidade' no sentido de descreverem a realidade, elas não são meras cópias da realidade. A idéia que algumas descrições são 'descrições da realidade em si mesma, independentemente da nossa perspectiva' é uma quimera. Nossa linguagem não pode ser dividida em partes, uma que descreve o mundo 'como ele é' e outra que descreve nossa contribuição conceitual. Mas isto não significa que a realidade está escondida, é 'numenica'; significa simplesmente que você não pode descrever o mundo sem descrevê-lo."

Hilary Putnam 
(Traduzido livremente de "Renewing Philosophy", Harvard Univ. Press, 1992, pg 122-123)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Caminhos da vida

"O que você pensa de si mesmo? O que você pensa do mundo? Estas são questões com as quais todos têm que lidar da maneira que parece melhor para cada um. São os "enigmas da Esfinge" e de um modo ou outro nós deveremos lidar com eles. Em cada momento importante da vida temos que tomar medidas de consequências imprevisíveis. Se decidirmos deixar os enigmas sem resposta, isto também é uma escolha; mas em qualquer escolha que façamos, somos nós que estamos em risco. Se um homem escolhe voltar as costas ao futuro, ninguém pode impedí-lo. Ninguém pode provar, além de qualquer dúvida razoável, que ele está errado. Se um homem pensa o contrário, e age como pensa, não vejo como qualquer um possa também mostrar que ele está equivocado. Cada um deve agir como pensa que deve agir, e se ele estiver errado, pior para ele. Estamos em uma montanha, no meio da nevasca e da neblina que cega, através da qual vemos vislumbres, hora ou outra, de caminhos que podem ser enganosos. Se permanecermos parados, morreremos congelados. Se pegarmos o caminho errado, seremos esmagados a pedaços. Não sabemos com certeza se há um caminho correto. O que devemos fazer? 'Seja forte e tenha coragem'. Aja pelo melhor, espere o melhor, e encare o que vier. Se a morte nos levará a todos, não poderemos encontrar maneira melhor de recebê-la."


Fitzjames Stephens
(Traduzido livremente de citação por William James em "The Will to Believe", Harvard Univ. Press, 1975, pg 33)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Os Discursos e a Redução Impossível

"A fisica pode, em princípio, prever a probabilidade de um corpo humano qualquer seguir uma trajetória qualquer, a partir de dados iniciais, assim como ela pode prever a probabilidade de qualquer coisa em qualquer trajetória. Mas tais predições são de fenômenos descritos na linguagem da física, não na linguagem da biologia, psicologia ou economia. Após o aparecimento dos seres vivos e suas sociedades, novas leis de fato surgiram; não são leis que contradizem as leis da física, mas são leis que se aplicam a coisas em uma descrição que não está disponível na física. As leis da economia são um bom exemplo. 'Oferta' e 'demanda' não podem nem mesmo ser definidas na linguagem da física; portanto a questão de como 'explicar a relação entre oferta e demanda' perde completamente o sentido se endereçada a um físico."

Hilary Putnam
(Traduzido livremente de "Renewing Philosophy", Harvard Univ. Press, 1992, pg 83)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A dicotomia fato-valor

"Nossa existência, nossa vida-no-mundo, Murdoch nos diz, não se dá separando de maneira exata "fatos" de "valores"; vivemos em um mundo humano caótico, em que a percepção da realidade e de todas as suas particularidades - a percepção que George Eliot, ou Flaubert, ou Henry James, ou a própria Murdoch, ensinaram-nos - e a formação de "juízos de valores" simplesmente não são habilidades separadas." 

Hilary Putnam
(Traduzido livremente de "Renewing Philosophy", Harvard Univ. Press, 1992, pg 87)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Maior Desastre de Todos

"O movimento que passa da afirmação que nós realmente percebemos objetos reais à suposição de que nós somente percebemos nossas idéias de objetos é um movimento de importância decisiva na história da filosofia. De fato, eu diria que é o único grande desastre na história da filosofia nos últimos quatro séculos."

John Searle
(Traduzido livremente de "Mind: A Brief Introduction", Oxford Univ. Press 2004, pg 23 )

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Os grandes riscos da escrita filosófica e científica

"Uma das piores coisas que podemos fazer é dar ao leitor a impressão de que eles entendem algo que na verdade não entendem, que algo foi explicado quando de fato não foi explicado, e que um problema foi resolvido quando na verdade não foi resolvido."

John Searle
(Traduzido livremente de "Mind: A Brief Introduction", Oxford Univ. Press 2004, pg 10)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Adaptação

"O que é extraordinário sobre o ser humano é a nossa capacidade de adaptação às mais diversas demandas; é a enorme dependência da adaptação ao aprendizado e consequentemente à cultura. A variabilidade de linguagens humanas pode não ser maior que a variabilidade das asas de borboletas, mas estas são determinadas geneticamente entre diferentes tipos de borboletas, enquanto qualquer criança de qualquer lugar do mundo pode aprender qualquer língua humana. Este fato é ainda mais extraordinário que a própria linguagem."

Kenneth Kaye
(Traduzido livremente de "The Mental and Social Lifes of Babies", Chicago Univ. Press 1982, pg 27)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A mente de Searle e dois sentidos de redução

"O fato de que o poder causal dos estados de consciência  e o poder causal de suas bases neurais são exatamente os mesmos mostra-nos que não estamos tratando de coisas independentes. Se duas coisas no mundo real possuem uma existência independente elas devem ter efeitos causais distintos. Mas o poder causal da consciência é exatamente o mesmo do seu substrato neural. Esta sistuação é como aquela que relaciona o poder causal dos objetos sólidos e o poder causal de seus constituintes moleculares: não estamos falando de duas entidades distintas, mas do mesmo sistema em níveis distintos. A consciência difere da solidez, liquidez, etc., porque a redução causal não leva a uma redução ontológica. Isto, como vimos, se dá por uma razão óbvia e trivial. A consciência possui uma ontologia de "primeira-pessoa", os processos neurais possuem uma ontologia de "terceira-pessoa". Por este motivo você não pode reduzir ontologicamente um ao outro. Consciência é um aspecto do cérebro, aquele que consiste em experiências ontologicamente subjetivas. Mas não há dois reinos metafísicos na sua cabeça, um físico e um neural. Ao contrário, há apenas processos acontecendo no seu cérebro e alguns destes são experiências conscientes."

John Searle
(Traduzido livremente de "Mind: A Brief Introduction", Oxford Univ. Press 2004, pg 128)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Uma outra lição

"Girei-me no meu leito sorrindo, porque tinha recém compreendido uma verdade desoladora e bizarra: o discernimento é a consolação dos fracos. Certo, filas de filósofos tinham percebido isto antes de mim. Mas o bom senso dos outros nunca serviu a ninguém. Quando chega o ciclone - a guerra, a injustiça, o amor, a doença, o vizinho - está-se sempre só, só, é-se um recém nascido e órfão!". 

Amélie Nothomb
(Traduzido livremente de "Le Catilinarie", trad para o italiano por Biancamaria Bruno, Voland 1998, pg 79)

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Os sinais da falência

"As pessoas gostam de apanhar. Gostam, não: precisam. Estou em casa, a TV ligada, concursos vários em todos os canais. Cozinheiros amadores em busca do prato perfeito. Cantores do chuveiro em busca da carreira musical perfeita. Comedores pantagruélicos em busca do corpo perfeito. 

E, em todos os concursos, os jurados gritam e humilham os concorrentes. Os concorrentes choram, desesperam, alguns desistem. Mas existe em cada choro, desespero ou desistência a marca do alívio e do prazer. Aquela gente nunca se sentiu tão viva e tão válida. Mesmo os perdedores. Como explicar o masoquismo? 

Não é masoquismo. Apenas a comprovação empírica da falência da educação moderna. Antigamente, educar era um processo violento que implicava destruir, em casa ou na escola, os instintos de cada ego. 

Aprender a comer à mesa; a conversar; a estudar; a imaginar; e até a criar, tudo isso pressupunha - e pressupõe - uma disciplina imposta, feita de estímulos e desafios, derrotas e vitórias. 

Hoje, com as teorias "românticas" que dominam as cartilhas pedagógicas das escolas ou das famílias, não há estímulos ou desafios. Precisamente para que ninguém saia derrotado ou vitorioso. 

Uma sociedade radicalmente igualitária é isso: uma sociedade mediana, de seres medianos, com vidas e obras medianas. 

Não admira que muitos desses náufragos do paternalismo sintam necessidade de participar em concursos públicos para terem o que nunca tiveram na vida. Um pouco de violência instrutiva." 

João Pereira Coutinho
(Em sua coluna na Folha de S. Paulo desta segunda-feira)