quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O Fim

"Vai virar ruína. Porque tudo está em ruínas. Tudo degradou-se. Mas eu não diria que se arruinou e deteriorou-se a esse ponto. Porque isso não é nenhum cataclismo, provocado pela assim chamada inocente ajuda humana. Pelo contrário, é sobre o próprio julgamento do homem, seu próprio julgamento sobre si mesmo, no qual certamente Deus está envolvido, ou, atrevo-me a dizer, tem um papel ativo. E qualquer coisa em que ele participe ativamente é a mais horripilante criação que você possa imaginar. Porque, veja você, o mundo degradou-se. Então não interessa o que eu digo, tudo degradou-se a tal ponto que eles adquiriram. E, como eles adquiriram tudo de maneira encoberta, furtiva, degradaram tudo. Porque qualquer coisa em que eles põem a mão - e eles tocam em tudo - eles degradam. Assim foi até a vitória final. Até o triunfo total. Adquirir, degradar. Degradar, adquirir. Ou, posto de maneira diferente, se você preferir: pôr as mãos, degradar e finalmente adquirir; ou pôr as mãos, adquirir e finalmente degradar. Tem sido assim há séculos. Isso, e somente isso, algumas vezes matreiramente, outras rudemente, às vezes delicadamente, às vezes violentamente, é o que vem acontecendo. E por fim de uma única maneira, como um ataque de ratos em uma emboscada. Porque para essa vitória perfeita, também foi essencial que o outro lado, pensando que tudo estava excelente, grandioso e nobre, não se engajasse em nenhum tipo de embate. Não deveria haver luta de espécie alguma, somente o rápido desaparecimento de um dos lados, o desaparecimento da excelência, da grandiosidade, da nobreza. De forma que agora os vencedores, que armaram a emboscada, regem a Terra, e não existe canto algum onde alguém possa esconder-se deles, pois tudo em que eles conseguem pôr as mãos é deles. Até mesmo coisas que achamos que eles não alcançam - e eles alcançam - também é deles. Porque o céu já é deles, e todos os nossos sonhos. Deles é o momento, a natureza, o silêncio infinito. Até a imortalidade é deles, entendeu? Tudo, tudo está perdido para sempre! E todas aquelas pessoas nobres, excelentes pessoas, simplesmente não interferiram, se assim posso colocar. Eles pararam neste ponto, e tinham que entender, e tinham que aceitar, que não há Deus nem santos. E os excelentes, os grandes, os nobres tinham que entender e aceitar isto desde o princípio. Com certeza foram incapazes de entender isso. Eles acreditaram e aceitaram, mas não entenderam. Ficaram somente perplexos, resignados, até que algo - um brilho do espírito - finalmente os iluminasse. E de repente eles perceberam que não há Deus nem santos. E também que não há nem o bem nem o mal. Então eles viram e entenderam que se assim fosse eles também não existiam! Acho que esse pode ter sido o momento em que podemos dizer que os excelentes foram extintos, desvaneceram-se. Extintos e apagados, como a fogueira deixada para se apagar no campo. Um o perdedor constante, o outro sempre vencedor. Derrota, vitória; derrota, vitória. E um dia - por aqui mesmo - dei-me conta, realmente percebi que estava enganado quando pensei que nunca houvera e nem poderia haver qualquer tipo de mudança aqui na Terra. Porque, acredite-me, eu sei agora que essa mudança realmente aconteceu. "


Do filme de Bellá Tarr, "A Tórino Ló" ("O Cavalo de Turim"), 2011.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O Arquipélago

"Uma família é como um arquipélago, todos partes do mesmo todo, mas ainda assim ilhas separadas e sozinhas, lentamente se afastando uns dos outros."

Do filme de Alexander Payne, "The Descendants" (2011).

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Irredutibilidade da consciência

"A consciência não é redutível da mesma forma que outros fenômenos são redutíveis, não porque aquela envolve algo de especial, mas porque a redução destes fenômenos depende em parte da distinção entre "realidades objetivas" de uma parte e meras "aparências subjetivas" de outra parte; e reduzir é eliminar as aparências dos fenômenos. Mas no caso da consciência, sua realidade é a aparência; portanto, a razão para a redução é perdida se tentarmos simplesmente ignorar aparências e definir consciência em termos de alguma realidade física subjacente."

John Searle
(Traduzido livremente de "Reductionism and the Irreductibility of Consciousness", em: "Emergence", Humphreys, P. and Bedau, M. (editores), MIT Press 2008, pg 76)

domingo, 8 de janeiro de 2012

Infelicidade mútua

"Quando estamos infelizes sentimos mais fortemente a infelicidade dos outros; o sentimento não se esfacela, mas sim concentra-se..."

Fiodor Dostoiévski
(Em "Noites Brancas", trad. Nivaldo dos Santos, Editora 34, 2005, pg. 58)

sábado, 7 de janeiro de 2012

Desabafo de um sonhador

"Nesses momentos já começa a me parecer que nunca serei capaz de começar a viver uma vida autêntica; porque já me parecia que eu tinha perdido todo o tato, toda a noção do autêntico, do real; porque, enfim, eu maldizia a mim mesmo; porque depois de minhas noites fantásticas sou logo tomado por terríveis momentos de desilusão! Entretanto, sente-se que ao redor gira e ressoa uma multidão de pessoas no turbilhão da vida; sente-se, vê-se como as pessoas vivem: vivem de verdade; vê-se que a vida para elas não é proibida, que a vida delas não se dissipa como um sonho, como uma visão; que a vida delas se renova eternamente, é eternamente jovem, e que nenhuma de suas horas se assemelha a outra, ao passo que é triste e monótona até à vulgaridade a fantasia tímida, escrava de uma sobra, de uma ideia, escrava da primeira nuvem que cobrir de repente o solo e oprimir de tristeza o autêntico coração petersburguense, que tanto aprecia o solo - e que fantasia pode haver na tristeza! Sente-se que ela, essa fantasia inesgotável, finalmente se cansa, enfraquece numa tensão eterna, pois você amadurece, abandona seus antigos ideais: estes se desfazem em pó, em pedaços; se não há outra vida, então é preciso construí-la a partir desses pedaços."

Fiodor Dostoiévski
(Em "Noites Brancas", trad. Nivaldo dos Santos, Editora 34, 2005, pg. 42-43)