quinta-feira, 28 de julho de 2011

Simplicidade

"... O coronel Aureliano Buendía arranhou durante muitas horas, tentando rompê-la, a dura casca da sua solidão. Os seus únicos momentos felizes, desde a tarde remota em que seu pai o levara para conhecer o gelo, haviam transcorrido na oficina de ourivesaria, onde passava o tempo armando peixinhos de ouro. Tivera que promover 32 guerras, e tivera que violar todos os seus pactos com a morte e fuçar como um porco na estrumeira da glória, para descobrir com quase quarenta anos de atraso os privilégios da simplicidade".

Gabriel Garcia Márquez
(Em "Cem anos de Solidão", Record ed. 51, pg 166)

terça-feira, 26 de julho de 2011

I Benedetti Affari

"Son que' benedetti affari, che imbroglian gli affetti"
("São aqueles benditos negócios, que atrapalham os sentimentos")

Alessandro Manzoni
(Em "I Promessi Sposi", Garzanti 2007, pg 537)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Drogas e Abutres

"As drogas não se "apanham", como se apanha uma gripe; não se "pegam", como se pega um doença venérea; e não são o resultado de uma mutação maligna das células, como uma doença oncológica. As drogas não "acontecem"; escolhem-se. 

 O drogado pode ficar doente; mas ele não é um doente - é um agente moral.

Mais: como explica Dalrymple, que durante décadas foi psiquiatra do sistema prisional britânico, o uso de drogas implica um voluntarismo e uma disciplina que são a própria definição de autonomia pessoal. E, muitas vezes, o uso de drogas é o pretexto para que vidas sem rumo possam encontrar um. Por mais autodestrutivo que ele seja.

Moralizar o cadáver de Amy Winehouse? Não contem comigo, abutres."

João Pereira Coutinho
(Em sua coluna no Estadão desta segunda-feira)

domingo, 24 de julho de 2011

Filosofia e Literatura

"A filosofia parece ocupar-se da verdade, mas talvez só conte fantasias; e a literatura parece ocupar-se somente de fantasias, mas talvez diga toda a verdade."

Antonio Tabucchi
(Traduzido livremente de "Sostiene Pereira", Feltrinelli 2005, pg 30)

sábado, 23 de julho de 2011

Pois é tempo de complicar

"Nunca se deve fazer um trabalho com facilidade, todo trabalho deve ser difícil, custoso, complicado e sacrificado, embora nunca tampouco se deva fazer queixa, mas somente mostrar muita dedicação diante de tanta dificuldade, quer se tenha essa dedicação, quer não se tenha. Todo 'deixe comigo' deve ser dito com firmeza e determinação, mas tem de vir acompanhado de um suspiro silencioso. Simplificar tem que ser somente para uso próprio e complicar é para todos os outros usos."

João Ubaldo Ribeiro
(Em "O Albatroz Azul", Nova Fronteira 2009, pg 194)

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Just...

"Em processos complicados, uma das respostas mais sábias é a do comercial de televisão: Keep walking."

Fernando Gabeira
(Em sua coluna no Estadão)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A Solução para a Crise da Grécia

"Os gregos nos deram a lógica. Temos uma dívida com eles por isso. Foi Aristóteles quem propôs o grande 'logo'. 'Você não me ama mais, logo...'. Ou, 'encontrei você na cama com outro homem, logo...'. Usamos essa palavra milhões de vezes para tomar nossas decisões mais importantes. É hora de começarmos a pagar por ela. Pois, se formos obrigados a pagar dez euros à Grécia cada vez que usarmos a palavra 'logo', a crise acabará em um dia, e os gregos não precisarão vender o Partenon aos alemães. Temos no Google a tecnologia para rastrear todos esses 'logos'. Podemos até cobrar das pessoas pelo iPhone. A cada vez que Angela Merkel disser aos gregos 'nós emprestamos todo esse dinheiro a vocês, logo vocês precisam nos pagar de volta com juros', ela será obrigada, logo, a pagar primeiro aos gregos pelos royalties." 

Jean-Luc Godard
(Em entrevista, irônica, a Fiachra Gibbons do "Guardian" traduzido por Clara Allain da Folha de São Paulo)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Proteção infeliz

"A minha infelicidade protege-me da vida"

Ohram Pamuk
(Traduzido livremente de "Neve", trad. Marta Bertolini, Einaudi 2007, pg 146)

domingo, 17 de julho de 2011

O Guspe de Deus

"Agora cada um está raspando atentamente com a colher o fundo da gamela em busca dos últimos restos de sopa, e emerge um rumor metálico a significar que o dia terminou. Pouco a pouco prevalece o silêncio e então, do meu beliche no terceiro nível, vê-se e ouve-se o velho Kuhn rezar, em alta voz, com a touca na cabeça e oscilando o copo com violência. Kunh agradece a Deus por não ter sido escolhido. Kuhn é um insensato. Não vê, no beliche ao lado, Beppo, o grego, que tem vinte anos e depois de amanhã irá ao gás, e sabe disso, não o vê lá estendido olhando fixamente a lâmpada sem dizer nada e sem pensar em nada?  Não sabe Kuhn que a próxima será a vez dele? Não compreende Kuhn que o que aconteceu é um abomínio que nenhuma reza propiciatória, nenhum perdão, nenhuma expiação dos culpados, nada que seja em poder do homem poderá jamais redimir? Se eu fosse Deus, guspiria na terra a reza de Kuhn."

Primo Levi
(Traduzido livremente de "Se questo è un uomo", Einaudi Tascabili 1989, pg 116)

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Criatividade e Moral

"Quem estiver empenhado em criar um mundo já está também comprometido com o erro e com o mal."

Umberto Eco
(Traduzido livremente de "Il Pendolo di Foucault", Bompiani 2006, pg. 65)

terça-feira, 12 de julho de 2011

Da impossibilidade do Reducionismo

"O que Gödel mostrou-nos, por assim dizer, é que não podemos formalizar completamente nossa própria capacidade matemática porque é parte de tal capacidade que ela possa ir além de qualquer sistema por ela formalizado. Do mesmo modo, minha extensão da técnica Gödeliana à lógica indutiva mostrou que é parte da noção de justificação em geral (não só da noção de justificação matemática) que a razão possa ir além do que ela própria pode formalizar. (...) O que estes argumentos sugerem é que, assim como nenhum sistema formal da matemática pode definir o que seja uma prova matemática, e nenhum sistema formal da lógica indutiva pode definir o que seja entendido por "confirmação", também nenhum programa para interpretação da linguagem natural pode definir quando expressões são sinônimas ou até mesmo coreferenciais. Uma caracterização computacional completa de "prova", "confirmação", "sinonímia" e assim por diante, sempre será uma impossibilidade. (...) Verdade e referência são intimamente conectadas com noções epistêmicas; a textura aberta da noção de um objeto, a textura aberta da noção de referência, a textura aberta da noção de significado, e a textura aberta da própria razão estão todas inter-conectadas. É destas interconexões que um trabalho filosófico sério sobre tais noções deveria proceder."

Hilary Putnam
(Traduzido livremente de "Representation and Reality", MIT Press 2001, pgs 118-120)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

É a rotina.

"Roque. Roque chegou em casa cansado, beijou o cachorro e ia bater na cabeça da mulher quando essa interrompeu seu gesto e protestou: "Ó Roque!" Roque se desculpou. "É a rotina, é a rotina". Mas a coisa se agravou. No outro dia o Roque desligou a mulher usando o cachorro como controle remoto e levou a TV pra cama."

Luis Fernando Veríssimo
(Em sua coluna desta semana no Estadão)

domingo, 10 de julho de 2011

O dilema do Poeta

"O dilema do verdadeiro poeta é sempre o mesmo. Se ele é feliz por demasiado tempo, torna-se banal. E se é infeliz por demasiado tempo, não encontra em si a força de manter viva a sua poesia. A felicidade e a verdadeira poesia estão juntos por um tempo brevíssimo. E então a felicidade rende banais poesia e poeta, ou a verdadeira poesia destrói a felicidade"

Ohram Pamuk
(Traduzido livremente de "Neve", trad. Marta Bertolini, Einaudi 2007, pg 134)

sábado, 9 de julho de 2011

Solitudine

(o video que constava neste post foi retirado porque o ECAD absurdamente cobra direitos autorais de blogueiros que retransmitem videos do youtube)


# Sou apenas uma pessoa comum #
# Uma pessoa em um mar #
# De muitas outras pessoas comuns #
# Que não sabem que eu existo #
# Faço meu trabalho comum #
# E vivo minha vida comum #
# Como minha comida comum #
# Com saudades da minha esposa e filho #
# E em algum lugar Talvez algum dia #
# Talvez em um lugar muito distante #
# Eu encontre uma segunda pessoa comum #
# Que olhará para mim e dirá ...#




# Eu conheço você #
# Você é quem eu estava esperando #
# Vamos nos divertir #
# A vida é preciosa #
# Cada momento #
# E mais preciosa com você nela#
# Então vamos nos divertir #
# Estou feliz que te encontrei #
# Gosto de estar contigo #
# Você é quem eu mais gosto #

# E em algum lugar Talvez algum dia #
# Talvez em um lugar muito distante #
# E em algum lugar Talvez algum dia #
# Talvez em um lugar muito distante #
# E em algum lugar Talvez algum dia #
# Talvez em um lugar muito distante #
# Eu encontrarei uma segunda pessoa comum #
# e nós sairemos para brincar. #

Jon Brion,
("Little Person" - Trilha de "Synechdoche, New York" (2008) de Charlie Kaufman)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Amém

"
- Tudo é mais complicado do que você pensa. Você vê apenas um décimo do que é verdade. Há um milhão de pequenas linhas unidas a cada escolha que você faz. Você pode destruir sua vida a cada escolha que faz. Mas talvez você não saiba por 20 anos...e talvez nunca encontre a fonte. E você tem apenas uma chance de participar. E dizem que não existe destino, mas existe. É o que você cria. E mesmo que o mundo continue por eras e eras, você está aqui apenas por uma fração de fração de segundo. A maior parte do seu tempo é gasto sendo morto ou ainda sem nascer. Mas enquanto vivo, você espera em vão, desperdiçando anos por um telefonema ou uma carta ou um olhar de alguém ou algo para tornar tudo certo. Mas nunca vem. E nunca vem, ou parece vir, mas não vem realmente. Então você passa seu tempo em vago arrependimento ou vaga esperança de que algo bom virá adiante. Algo para o fazer sentir-se conectado. Algo para o fazer sentir-se inteiro. Algo para o fazer sentir-se amado. E a verdade é... eu sinto tanta raiva. E a verdade é... eu sinto tanta tristeza. E a verdade é que eu tenho me sentido tão magoado. E por muito tempo venho fingindo que estou bem... para seguir adiante, apenas para... Eu não sei por quê. Talvez porque ninguém queira ouvir sobre minha miséria, porque eles tem as deles. Bom... fodam-se todos.

- Amém."

Do filme "Synechdoche, New York" (2008) de Charlie Kaufman

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Família Feliz

"Não podes ter esquecido o famoso início de Anna Karenina, onde Tolstoi, endossada a túnica suprema de uma divindade bucólica que paira magnanimamente sobre o abismo, sentencia lá do alto que as famílias felizes assemelham-se todas, enquanto aquelas desesperadas são cada uma a seu modo. Ora, com todo respeito a Tolstoi, digo que é justo o contrário: os desesperados melhor se enquadram em padrões, dando corpo a uma rotina pesada dentro a quatro ou cinco já desgastados clichês de sofrimento. A felicidade, ao contrário, é um objeto raro e delicado, uma espécie de porcelana chinesa, e os poucos que a atingiram moldaram-na e a compuseram, pouco a pouco, com o passar dos anos, cada um à própria imagem e semelhança, cada um com a própria medida: não há felicidade que se assemelhe a outra."

Amos Oz
(Traduzido livremente de "La Scatola Nera", trad. Elena Loewenthal, Feltrinelli 2006, pg 109)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O Túnel

"No mundo existe a felicidade, Alec, e o sofrimento não é o seu oposto, mas sim um estreito túnel através do qual se passa curvado, rastejando na urtiga, para chegar então ao bosque silente, imerso em uma clareira de argento, lunar."

Amos Oz
(Traduzido livremente de "La Scatola Nera", trad. Elena Loewenthal, Feltrinelli 2006, pg 109)

terça-feira, 5 de julho de 2011

O Espaço da Coerência na Fé

"Eu devia crer. De onde vinha minha habilidade e o meu arremesso extra e, de onde obtinha tamanho controle? Se tivesse parado de crer, poderia cair em pedaços, perder o ritmo, render a vida fácil para os batedores. Diabos, sim, havia incertezas, mas eu as afastava. A vida do lançador era já bastante dura mesmo sem se perder a fé no próprio Deus. Um instante de dúvida poderia ter rendido o Braço mais frágil, então porque turvar as águas? Deixa as coisas como estão! O Braço chegou ao paraíso, acredite! Não te preocupes com aquelas perguntas todas, mas se Deus é somente bem por que tanto mal, e se ele sabe tudo por que criou as pessoas para depois mandá-las ao inferno? Haverá tempo para tudo isto. Entra no campeonato, segue adiante até a grande ocasião, arremessa nos mundiais, atinge a Calçada da Fama. Aí então poderás relaxar-te e fazer as tais perguntas, sobre como é o rosto de Deus, e por que nascem crianças aleijadas, e quem fez a fome e a morte."

John Fante
(Traduzido livremente de "Un anno Terribile", trad. Alessandra Osti, Fazi Editore 2001, pg 23)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Lição de Otelo

"Mas as lágrimas são necessárias. Não se lembra do que disse Otelo? 'Se depois de toda tempestade vêm tais calmarias, então que soprem os ventos até acordar a morte!' "

Aldous Huxley
(Em "Admirável Mundo Novo", trad. Lino Vallandro, Globo 2008, pg 288)

domingo, 3 de julho de 2011

Self-deception

"Aquele que mente a si mesmo e escuta sua própria mentira chega ao ponto de não mais distinguir a verdade, nem em si, nem em torno de si; perde, portanto, o respeito de si e dos outros. Não respeitando ninguém, deixa de amar; e para se ocupar, para se distrair, na ausência de amor, entrega-se às paixões e aos gozos grosseiros; chega à bestialidade em seus vícios e tudo isso provém da mentira contínua a si mesmo e aos outros. Aquele que mente a si mesmo pode ser o primeiro a ofender-se."

Fiodor Dostoiévski
(Em "Os Irmãos Karamazov", Ediouro 2002, vol II pg 34)

sábado, 2 de julho de 2011

Dever de recusar

"Há coisas que devem ser necessariamente feitas, sem que estimemos ou admiremos quem no-las executa; e há, por outro lado, recusas que, ao invés de nos desagradar, mais engrandecem aos nossos olhos aqueles que têm a coragem de no-las recusar."

Walter Scott
(Em "Ivanhoe", Abril Cultural 1972, pg 413)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Motivos de Guerra

"Nem sempre quem está na guerra é porque gosta de brigar, menino. Às vezes a gente se mete numa revolução, numa peleia, porque tem vergonha."

Erico Veríssimo
(Em "O Continente", vol 1, Cia das Letras 2004, pg 374)