quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O jogo da vida

"A vida é um jogo com muitas regras mas sem nenhum árbitro. Aprendemos a jogar olhando a partida e não consultando livros, nem mesmo se tratar-se do livro sagrado. Não é nenhuma surpresa então que tantos joguem sujo, tão poucos vençam, e muitos percam tudo."

Joseph Brodsky
(Traduzido livremente de "On Grief and Reason", Kindle Edition, pg 118)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A arte está na origem

"Quanto mais substancial for a experiência estética de um indivíduo, mais refinado será seu gosto, mais afiado seu juízo moral, mais livre - apesar de não necessariamente mais feliz - ele será."

Joseph Brodsky,
(Traduzido livremente da sua Nobel Lecture, "Uncommon Visage" - "On Grief and Reason", Kindle edition, pg 42)

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Desperdícios tautológicos

"Não importa se você é um escritor ou um leitor, sua tarefa consiste acima de tudo em conhecer profundamente uma vida que é a sua própria, que não lhe é imposta ou prescrita de fora, seja ela mais ou menos nobre. Pois cada um de nós recebe apenas uma vida, e todos nós sabemos muito bem como ela termina. Seria lamentável se você decidisse gastar sua única chance buscando a aparência de um terceiro, a experiência de um outro, mesmo pela redução ou expansão desta única chance em uma tautologia, não importa, os  mensageiros da necessidade histórica, dos quais os brados levam os homens a concordar com estas tautologias, não irão para o túmulo com você, nem mesmo lhe agradecerão no final".

Joseph Brodsky,
(Traduzido livremente da sua Nobel Lecture, "Uncommon Visage" - "On Grief and Reason", Kindle edition, pg 40)

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O que faz um homem livre

"Talvez nosso maior valor e maior função seja inconscientemente corporificarmos a ideia desencorajadora de que um homem liberto não é um homem livre, de que a libertação é apenas um meio para se atingir a liberdade e não é sinônimo de liberdade. Isto sublinha a extensão do dano que pode ser feito à espécie, e podemos nos sentir orgulhosos por cumprir este papel. Entretanto, se quisermos cumprir um papel ainda maior, o papel de um homem livre, então devemos ser capazes de aceitar - ou ao menos imitar - a maneira em que um homem livre fracassa. Um homem livre, quando fracassa, não culpa ninguém."

Joseph Brodsky
(Traduzido livremente de "On Grief and Reason: Essays", ensaio 2, "The condition we call exile", pg 30, Kindle Edition)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

As duas irmãs do saber

"Tenho uma só desculpa, mas a considero legítima: o dever que se impõe aos homens de ciência, hoje mais do que nunca, de pensar a sua disciplina no conjunto da cultura moderna, para enriquecer não só os conhecimentos tecnicamente importantes, mas também as ideias provenientes de sua ciência que eles possam tomar por humanamente significativas. A própria ingenuidade de um olhar novo (como o é sempre o da ciência) pode talvez esclarecer, como a luz de um novo dia, problemas ancestrais."

Jacques Monod
(Em "O Acaso e a Necessidade", como citado por Marcelo Leite em sua coluna de anteontem na Folha online)

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Smile to life around you and carry on

"De lá não se sai. Nunca. Nem mesmo a luz do sol se vê. Nunca. As vidraças são cobertas de celofane negro. De fora não se deve ver nada. As janelas são sempre fechadas, no verão ou no inverno. É preciso fazer o mínimo de ruído. No ar, sobe e desce a fuligem produzida pelo algodão que passa  incessantemente pelas máquinas. Parece neve. Encontra-se em flocos sobre as máquinas de costura, no chão, sobre as roupas. Mas também nos cabelos dos operários, sobre suas peles. Respiram-no 24 horas por dia. Nas fábricas da maior Chinatown da Europa, os chineses vivem. São lugares inacessíveis aos outros. Monitorados de fora por câmeras de vídeo em circuito fechado. Se vocês baterem na porta, ninguém abrirá. E mesmo assim é possível escutar o trabalho frenético das pessoas. Se baterem com mais insistência, o maquinário desacelera, o rumor diminui. De trás verão surgir um grupo de dois ou três chineses. Não conseguirão entender bem de onde saem. Eles não farão nada, só lhes observarão. E continuarão a observar-lhes enquanto vocês não forem embora. Em alguns casos lhes acompanharão e lhes conduzirão para fora até que vocês estejam suficientemente longe.

Nós participamos de um blitz noturno do comando provincial da Guardia di Finanza de Prato. De 6500 companhias têxteis, 3500 são chinesas. Entre a noite e o dia, não há diferença para eles. Aqui trabalha-se sempre, não existem turnos, festividades, dias de repouso, doença. Ao menos não para os novos escravos chineses. Os chefes, ao contrário, fazem a festa com a Mãe China. Durante o carnaval, ficam por lá por um mês inteiro. Chegam na fábrica em Porsches, levam consigo malas cheias de dinheiro. Depois vão embora. É passado das duas da madrugada quando os funcionários da Guardia di Finanza bloqueiam duas fábricas. Encontram-se na periferia da cidade. Há muitos locais de trabalho, um ao lado do outro, montanhas de tecido. Quando entramos, estão virados de costas. Todos ao trabalho. Por um dos perímetros do pavilhão, há placas de reboco com uma porta de madeira no centro. São os "locais". Ao invés de parecerem quartos, lembram mais nichos de cemitérios: pequenos, estreitos, baixos, sem ventilação. Alguns não possuem nem mesmo uma entrada de luz. Ou então são feitos de pedaços de papelão. Aqueles mais desintegrados estão escondidos. Cada pavilhão esconde um espaço intermediário que leva ao andar superior. No nosso caso, uma estante de livros falsa escondia o acesso às escadas. O que se vê lá é algo de brutal. Seres humanos amassados uns contra os outros entre paredes de papelão e um piso de asbesto. De dentro de um armário de três pés apoiado em uma parede do corredor partem ruídos. Pensando que se tratavam de ratos, abrimos o armário para encontrar um jovem dormindo. Está tão encolhido pelo pequeno espaço e aturdido pelo pouco oxigênio que não consegue se levantar. Muitos deles se deitam vestidos. Devem estar operativos, sempre. Prontos a trocar de turno. Não há serviços higiênicos para todos. Há somente um banheiro por andar. Deve servir a cerca de trinta pessoas. Ao lado de cada colchão (sem rede, mas apoiado no solo) há penicos para se urinar e fazer as necessidades. Comem em um ângulo onde a ausência de janelas contribui para deixar tudo gordo e negro. As paredes são untadas e em torno dos sacos de alimentos (sobretudo arroz e ovos)  há um tipo de cola negra. Explicam-nos que serve para capturar as baratas. Não há portas. Substituíram-nas por véus, lençóis, telas. No chão, entre um quarto e outro, há tábuas de compensado com cerca de um metro de altura. Servem para impedir os ratos de passar para onde estão as crianças. 

É sim, as crianças. Fazem a mesma vida dos pais. Aqueles com maior sorte vão à escola. Os outros trabalham na fábrica. Bem ao lado de um maquinário, tenta cochilar uma menina de viso meigo. Está sentada em meio ao leito, sem sono. Com o ruído das máquinas em ação é difícil de ouvir o vizinho falar. Mas pedimos à mãe quantos anos tem. Não entende o italiano. A menina sim. Alça as mãozinhas e forma o número 8. Tem oito anos. Nos dois pavilhões que cruzamos saem tantíssimos deles. Todos muito pequenos. Uma delas fala italiano. A luz da câmera de vídeo se acende. Conta-nos de ir à escola pela manhã. O resto do dia passa na fábrica com os pais. Prato, Itália... para ela é aquele quarto de papelão e a estrada que faz para ir à escola. Os chineses em Prato, como em Florença ou em Livorno são tidos como os novos patrões. Mas daqueles que chegam em Ferrari ou pagam as contas dos hotéis super-luxuosos com maços de dinheiro em espécie, ou compram prédios inteiros no centro com sacos cheios de euros, destes esta gente não sabe nada. Sabem apenas que produzem uma coisa que chamam "pronto moda". Não tem nada do pret à porter das grandes marcas. E talvez nem mesmo saibam que eles mesmos são os novos escravos do terceiro milênio. Não sabem que produzem um volume de negócios estimado em 400 milhões de euro ao ano enviados à China e dos quais não vêem nem mesmo os farelos. Sobre uma mesa notamos uma espécie de livro contábil. Os agentes da Guardia di Finanza dizem que são as encomendas e os vencimentos para a entrega. Está escrito em chinês. Mas entendemos os números. Quando estávamos ali eles trabalhavam em um vestido para o próximo verão. Sobre o peito estava escrito, bem grande, "Smile to life around you and carry on" (sorria para a vida ao teu redor e siga adiante). Soa uma maldição, como aquele "O trabalho liberta" na entrada dos campos de concentração nazistas. Ao operário vão 40 centavos de euro por peça terminada. Ninguém sorri, ninguém chama isto de "vida". E há quem, por 40 centavos, deixe a própria pele. E isto aqui na Itália, não na China."

Antonio Crispino
(Traduzido livremente de sua coluna de hoje no Corriere della Sera) 

7 chineses morreram neste final de semana em um incêndio em um dos pavilhões da Chinatown localizada na cidade de Prato, na Toscana. Abaixo o video sobre a reportagem especial do Corriere.  

domingo, 1 de dezembro de 2013

Epistemologia prática: antes, saiba onde você quer morar

"Não há motivo algum para se conhecer bem um lugar se você não for habitá-lo."

Joseph Brodsky
(Traduzido livremente de "On Grief and Reason: Essays", cap. 1, seção VII, Kindle Edition)

terça-feira, 26 de novembro de 2013

O Tédio diante da verdade

"Hoje, a "verdade" se proclama visível. O Google tem todos os sentimentos catalogados, mas falta-nos sentir o gosto de alguma coisa vaga que nunca se atinge. Qual seria a emoção de um "gamer" ao ler: "Enquanto os fundos públicos são desperdiçados em caridade, um sino de fogo róseo soa entre as nuvens"? O jovem teria um tédio infinito. Ninguém quer atingir mais nada. Está tudo aí, classificado."

Arnaldo Jabor
(Em sua coluna de hoje no Estadão)

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A redundância dos algoritmos burros

"Pessoas não são veículos para a execução de algoritmos, da mesma forma que não são cavalos de espíritos de religiões primitivas. Não se sabe direito como o cérebro funciona e sabe-se que os genes estão mais para registros do que deu certo do que para ordens inquestionáveis. Formas algorítmicas de administrar, controlar, treinar e remunerar o homem o desumanizam, tirando dele o que tem de mais precioso: sua capacidade de pensar."

Luli Radfahrer
(em sua coluna de hoje na Folha Online)

domingo, 24 de novembro de 2013

Palpiteiros de domingo

"Sabemos todos que a História muda segundo quem a observa. Para os contemporâneos dos fatos, a importância que lhes é dada frequentemente é bem distinta da que terá dentro de poucas décadas. O que era invisível aparece, o que não tinha importância a adquire, o que era básico se torna acessório, quem era tratado como gênio ou esperança nem mais é lembrado. E o anedotário de todos os povos armazena uma fartura de previsões hoje estapafúrdias, vaticínios que se demonstraram asneiras descomunais, afirmações definitivas cuja validade mal chegou a aniversariar. Mas isto não impede que continue irresistível a tentação de dar palpites sobre o chamado veredito da História, é uma espécie de jogo que pode até ser divertido, assim para um domingo ocioso, sem nada melhor para fazer."

João Ubaldo Ribeiro
Em sua coluna de hoje no Estadão

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A favor do tédio

"O primeiro dever dos jovens é o de se tornar velhos"

Benedetto Croce
(como citado por Calligaris em sua coluna de hoje)

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Curta-me!

"No círculo vicioso da inveja, a experiência efetiva é irrelevante; não é com tal ou tal outra vida e história concretas que se sonha: sonha-se ser o que os outros sonham. A inveja é, por assim dizer, uma emoção abstrata: o privilégio não precisa dar acesso a uma fruição especial da vida (sensual ou espiritual, tanto faz), ele só precisa suscitar inveja. Ou seja, privilégio não é o que faço ou o que acontece de extraordinário em minha vida, mas o olhar invejoso dos outros.(...)   O Facebook é o instrumento perfeito para um mundo em que a inveja é um regulador social. Nele, quase todos mentem, mas circula uma verdade de nossa cultura: o valor social de cada um se confunde com a inveja que ele consegue suscitar." 

 Contardo Calligaris
(em sua coluna na folha desta quinta-feira)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O rei na barriga de cada brasileiro

"O ministro Joaquim Barbosa tem sido tratado como um Drácula brasileiro por dizer o que pensa e sente. Poi, no Brasil, eis o meu primeiro palpite, somos todos treinados a dizer o que não pensamos. Seja porque seríamos presos por corrupção ou tomados como desmanchadores de prazer; seja porque faz parte de nossa persistente camada aristocrática não confrontar o outro com a tal "franqueza rude" a ser reprimida por sinalizar não o desrespeito, mas um igualitarismo a ser evitado justamente porque nivela e subverte hierarquias. Somos a sociedade da casa e da rua. Em casa, somos reacionários e sinceros; na rua viramos revolucionários e ninjas - a cara encoberta. Somos imperiais em casa, quando se trata das nossas filhas e fervorosos feministas em público, com as "meninas" dos outros. Observo que quando há hierarquia, não há debate nem discórdias; já o bate-boca é igualitário e nivelador. Por isso, ele é execrado entre nós, alérgicos a todas as igualdades. Discutir é igualar, de modo que as reações de Joaquim Barbosa assustam e surpreendem. Afinal, ele é um ministro. Como pode se permitir tamanha sinceridade? O superior não deveria discutir, mas ignorar e suprimir." 

 Roberto DaMatta
(Em sua coluna desta quarta-feira no Estadão)

domingo, 18 de agosto de 2013

Essa rapadura de país

"Diante dessa sarabanda agitada e da luta para não largar o osso, lembro-me de quando eu era menino em Itaparica, punha um pedaço de rapadura no chão e ficava esperando formigas brotarem do nada, várias espécies que só tinham em comum gostar de açúcar. Umas ruças, grandalhonas, eram minhas favoritas, porque ficavam frenéticas e não paravam um segundo, para lá e para cá, em cima da rapadura, apesar de que, volta e meia, uma parecia se saciar e caía imóvel - dura para trás, dir-se-ia. Eu não sabia, mas estava vendo o Brasil, só que as formigas não se saciam e quem cai para trás somos nós."

João Ubaldo Ribeiro
(Em sua coluna no Estadão deste domingo)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O mito da ciência

"Meu amigo, não existe conhecimento puro. É indiscutível a legitimidade da concepção eclesiástica da ciência, que se pode resumir nas palavras de Santo Agostinho: "Creio para que possa conhecer". A fé é o órgão do conhecimento, e o intelecto é secundário. A sua ciência incondicional não passa de um mito. Há sempre uma fé, um conceito do mundo, uma ideia, numa palavra: uma vontade, e cabe à razão explicá-la e comprová-la. Em todos os casos, chega-se ao 'Quod erat demonstrandum'. "

Thomas Mann
(Em "A Montanha Mágica", Herbert Caro (trad.), Círculo do livro 1952, pg 480)

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O que diria Beckett para um representante da nossa classe política?

"Eis aí um grande homem, acusando as botas quando a culpa é dos seus pés."

Samuel Beckett
(Traduzido livremente de "Waiting for Godot", Ato 1)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Pontos de vista morais

"Frequentemente, como diria Adam Smith, o que é visto como um vício privado pode tornar-se uma virtude pública."

Emrys Westacott
(Traduzido livremente de "The Virtues of our Vices", Princeton Press, 2012, pg 10)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Linhas estreitas

"Se o idiota persistir em sua folia, tornar-se-á sábio."

William Blake
(Traduzido livremente de "The Marriage of Heaven and Hell", em "Works of William Blake", Kindle edition, Kindle location: 1551)

quarta-feira, 31 de julho de 2013

A descrença do significado contemporâneo de crença religiosa

"'Crença' é uma dessas palavras que mudaram de significado. A palavra inglesa para 'crença' significava 'lealdade', 'compromisso'. Ela é a tradução da palavra grega 'pistis'. No novo testamento em grego Jesus pergunta: 'você tem pistis?' e isto não significa acreditar em alguma doutrina, significa 'compromisso'. Jesus não pediu que as pessoas acreditassem que Ele era a segunda pessoa da Santíssima Trindade, uma ideia que eu acho que o deixaria perplexo. Ele perguntou se as pessoas estavam preparadas para dar o que tinham aos pobres, para viver apenas com o básico, como ele, para viver como as aves do céu e os lírios dos campos, confiando em Deus e para trabalhar dia e noite para a construção de um reino em que ricos e pobres se sentariam juntos em harmonia. Compromisso, ação. Foi apenas no século 17 que a palavra 'crença' mudou de significado, sendo usada primeiramente por cientistas e filósofos para denominar a aceitação intelectual de uma proposição duvidosa. Na época da Reforma, quando todos estavam discutindo a transubstanciação, a morte dessas 'crenças', a palavra ganhou um significado que não tinha em outras tradições. O budismo não tem crenças, trata-se apenas de práticas. O judaísmo não tem crenças e o Alcorão é extremamente duro com relação à teologia, à ortodoxia teológica, que ele chama de 'zanna', suposições autoindulgentes sobre questões das quais ninguém pode ter certeza mas que tornam as pessoas irritadiças e burramente sectárias. O conhecimento religioso é um tipo de conhecimento prático. É como nadar ou dirigir. Você tem que entrar no carro e aprender. Não se pode aprender a dirigir apenas lendo o manual do carro."


Karen Armstron
(Em entrevista ao programa Milênio da Globo News - 29/7/2013)

domingo, 14 de julho de 2013

Fraqueza moral



"Pessoas fracas nunca provocam o fim de nada. Elas esperam que outros o façam".

Do filme de Terrence Malick, "To the Wonder" (2012)

sexta-feira, 21 de junho de 2013

O Patriota Brasileiro

“O patriotismo é o último refúgio do canalha. No Brasil, é o primeiro”.

Millôr Fernandes
(em algum lugar que esqueci - mas é dele - e em um momento como este não podia deixar de postar)

terça-feira, 11 de junho de 2013

Autoconhecimento à grega

"E esse é o prodígio da vida, que qualquer ser humano que presta atenção a si mesmo sabe o que nenhuma ciência sabe, dado que ele sabe quem ele mesmo é, e isso é o que há de mais profundo na sentença grega 'conhece-te a ti mesmo', que há já bastante tempo tem sido compreendida à maneira alemã, relacionada à autoconsciência pura, a quimera do idealismo. Já está mais do que na hora de se tentar entendê-la em grego."

Soren Kierkegaard
(Em "O conceito de angústia", Trad. Álvaro Luiz Montenegro Valls, Editora Vozes 2010, pg 87)

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Os novos retrógrados

"Algo parecido à redução missionária aconteceu com o advento da web 2.0. Tudo aquilo que é estranho e diferente está sendo dissolvido e extraído da rede em um processo de homogenização. As páginas pessoais, quando primeiro apareceram no início da década de 90, tinham um sabor de individualidade. O MySpace preservou algo deste sabor, apesar do processo de formatação e regularização ter já então começado. O Facebook foi além, organizando pessoas em identidades de múltipla escolha, enquanto que a Wikipedia hoje tenta apagar por completo qualquer ponto de vista. Se uma igreja ou governo estivesse fazendo estas coisas, seriam vistos como autoritários, mas quando tecnólogos são os culpados tudo parece bacana, novo e inventivo. As pessoas aceitam facilmente ideias que pareceriam terríveis se apresentadas de qualquer outra forma, basta que sejam vestidas com o disfarce da tecnologia. É paradoxal ouvir muitos de meus amigos no mundo da cultura digital afirmarem-se os verdadeiros filhos da Renascença, quando ao mesmo tempo usam os computadores para reduzir a expressão individual e passam assim a aderir a uma atividade que é primitiva e retrógrada, não importa quão sofisticados sejam os meios de exercê-la."

Jaron Lanier
(Traduzido livremente do capítulo 3, seção "Nerd Reductionism", de "You are not a gadget", Alfred Knopf, 2010)

domingo, 9 de junho de 2013

Zumbis filosóficos

"Zumbis são personagens comuns nos experimentos mentais dos filósofos. Eles são como pessoas em todos aspectos, exceto que não possuem experiência subjetiva. São inconscientes, mas não dão nenhuma evidência externa deste fato. (...) Muito se debateu sobre se um zumbi poderia realmente existir, ou se a experiência subjetiva deve inevitavelmente revelar-se, seja através do comportamento exterior, seja por algum evento mensurável no cérebro. Eu afirmo que há somente uma diferença mensurável entre um zumbi e uma pessoa: um zumbi tem uma filosofia diferente. Portanto, zumbis só podem ser detectados se eles se passarem por filósofos profissionais. Um filósofo como Daniel Dennett é obviamente um zumbi."

Jaron Lanier
(Traduzido livremente do capítulo 2, seção "Zomby Army", de "You are not a gadget", Alfred Knopf, 2010)

sábado, 8 de junho de 2013

Imprescindível

"Ora, sabem os senhores, sabem que sem o inglês a humanidade ainda pode viver, sem a Alemanha pode, sem o homem russo é possível demais, sem a ciência pode, sem o pão pode, só não pode sem a beleza, porque nada restaria para fazer no mundo! Todo o segredo está aí, toda a história está aí! A própria ciência não sobreviveria um minuto sem a beleza - sabem disso, senhores ridentes? - ela se converteria em banalidade, não inventaria um prego!"


Fiódor Dostoiévski
(Em "Os Demônios", Paulo Bezerra (trad.), Editora 34, 4a edição, 2004, pg 473)

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Irrealidade virtual

"A abordagem 'anti-humana' da computação é uma das ideias mais infundada que a humanidade já teve. Um computador nem mesmo existe se não houver ninguém a experimentá-lo. Haverá lá certamente uma massa quente de silício padronizado com eletricidade por toda parte, mas os bits não significam nada sem uma pessoa culta que os interprete. E isto não é solipsismo. Você pode acreditar que sua mente cria o mundo, e mesmo assim uma bala ainda irá  lhe matar. Uma bala virtual, porém, nem mesmo existe sem que uma pessoa esteja lá para reconhecê-la como uma representação de uma bala. Armas são reais de um modo que computadores não o são."

Jaron Lanier
(Traduzido livremente do capítulo 2, seção "You Need Culture to Even Perceive Information Technology", de "You are not a gadget", Alfred Knopf, 2010)

terça-feira, 4 de junho de 2013

Corrige-te enquanto há tempo!

"Toda a segunda metade da vida de um homem é constituída apenas dos hábitos acumulados na primeira".

Fiódor Dostoiévski
(Em "Os Demônios", Paulo Bezerra (trad.), Editora 34, 4a edição, 2004, pg 264)

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Mesmo no mundo da internet, não há almoço grátis!

"Quanto maior for a automatização da sociedade, quanto mais necessário for que a economia se torne uma economia da informação, e enquanto ao mesmo tempo se defender que a informação deva ser grátis, então na mesma medida mais a economia real irá colapsar. Isto soa muito simplista, e pode ser afirmado com muito mais rigor, mas acredito que fundamentalmente este seja o grande dilema. Os tipos de automatização que podemos esperar para o futuro são táxis e caminhões guiando-se por si mesmos e tirando motoristas do trabalho, a indústria tornando-se muito menos dependente do trabalhador, seja por impressoras 3D ou por outros modos, e assim por diante. Há demonstrações, todos os dias, de tarefas intelectuais antes realizadas por pessoas educadas e que agora são realizados por softwares. O ponto crucial é que cada vez que um software passa a fazer algo que as pessoas costumavam fazer ele o faz baseando-se no que chamamos de "Big Data" e esta "Big Data" nada mais é do que a massa de contribuições de todas as pessoas que estão na rede. Por exemplo, para se realizar uma tradução automática em grandes servidores, traduções feitas por pessoas reais na rede são agrupadas e as frases são correlacionadas com estas para criar uma tradução plausível. Então a inteligência artificial trabalhando nestes "Big Data" é fundamentalmente apenas um modo de "requentar" dados originários de pessoas reais. E por desmonetizar todos estes dados que estão na rede, quanto mais a informação automatizada se tornar importante, mais a economia irá colapsar. Basicamente, toda vez que você usa o facebook, está reduzindo suas chances de emprego para o futuro [risos da platéia]. Isto não deveria parecer engraçado, é um fato que simplesmente se dá de modo muito gradual."

Jaron Lanier
(Em entrevista recente a James Bridle)

domingo, 2 de junho de 2013

Um manifesto

"É só o começo deste vigésimo primeiro século, e isto significa que estas palavras serão lidas principalmente por não-indivíduos - autômatos ou gentalha entorpecida composta de pessoas que não agem mais como indivíduos. As minhas palavras serão debulhadas em máquinas de pesquisa automáticas de palavras chaves, espalhadas em centros de computação localizados em regiões remotas, muitas vezes secretas, ao redor do mundo. Elas serão copiadas milhões de vezes por algoritmos designados a enviar uma propaganda a alguma pessoa em algum lugar que passou a ressoar com alguns dos fragmentos do que eu digo. Elas serão escaneadas, rearranjadas e deturpadas por multidões de leitores rápidos e desleixados em wikis e fluxos de mensagens de texto.

Reações irão repetidamente se degenerar em cadeias estúpidas de insultos anônimos e controvérsias desarticuladas. Algoritmos encontrarão correlações entre aqueles que leem minhas palavras e aquilo que eles consomem, suas aventuras românticas, seus débitos, e, logo, seus genes. Por fim estas palavras contribuirão à fortuna daqueles poucos que conseguiram se posicionar como senhores das nuvens computacionais.

O largo desdobramento dos destinos destas palavras se dará no mundo quase completamente inanimado da informação pura. Olhos de seres humanos reais as lerão somente em uma minoria de casos. E, no entanto é justamente você, a pessoa, a raridade entre meus leitores, que eu pretendo alcançar. 

As palavras neste livro são escritas para pessoas, não para computadores.

E o que eu quero dizer é isso: você precisa ser alguém antes de poder compartilhar a si mesmo."

Jaron Lanier
(Traduzido livremente do Prefácio de "You are not a gadget", Alfred Knopf, 2010)

sábado, 1 de junho de 2013

Agostinho ao ser convidado para criar seu perfil no facebook:

"Que tenho eu a ver com os homens, para que me ouçam as confissões, como se houvessem de me curar das minhas enfermidades? Que gente curiosa para conhecer a vida alheia e que indolente para corrigir a própria! Por que pretendem que lhes declare quem sou, se não desejam também ouvir de vós quem eles são? Ouvindo-me falar de mim, como hão de saber que lhes declaro a verdade, se ninguém sabe o que se passa num homem, a não ser o espírito que nele habita?"

Agostinho de Hipona
(Em "Confissões", J. Oliveira Santos (tradutor), Vozes - edição de bolso - 2011, pg 216)

terça-feira, 30 de abril de 2013

Nostalgia juvenil

"No fundo, no fundo, quem deseja que a vida seja uma adolescência permanente nunca deixou verdadeiramente a adolescência."

João Pereira Coutinho
(Em sua coluna de hoje na Folha)

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Lacaios da razão

"O niilismo é uma lacaiagem do pensamento. O niilista é um lacaio do pensamento".

Fiódor Dostoíéviski
(Em nota aos manuscritos de "Crime e Castigo", como citado em nota do editor em "Os Demônios", Paulo Bezerra (trad.), Editora 34, 4a edição, 2004, pg 145)

terça-feira, 23 de abril de 2013

Diálogo com o primeiro niilista

"- Já eu me limito a procurar a causa pela qual os homens não se atrevem a matar-se; eis tudo. E isso é indiferente.
- Como não se atrevem? Por acaso há poucos suicídios?
- Muito poucos.
- Não me diga, você acha isso?
Ele não respondeu, levantou-se e ficou a andar para a frente e para trás com ar meditativo.
- A seu ver, o que impede as pessoas de cometerem o suicídio? - perguntei.
Ele olhou distraído, como se tentasse se lembrar do que estávamos falando.
- Eu... ainda sei pouco... dois preconceitos o impedem, duas coisas; só duas; uma, muito pequena, a outra, muito grande. Mas até a pequena também é muito grande.
- Qual é a pequena?
- A dor.
- A dor? Será que isso é tão importante... neste caso?
- De primeiríssima importância. Há duas espécies de suicida: aqueles que se matam ou por uma grande tristeza ou de raiva, ou por loucura, ou seja lá por que for... esses se matam de repente. Esses pensam pouco na dor, se matam de repente. E aqueles movidos pela razão - estes pensam muito.
- E por acaso há esse tipo que se mata por razão?
- Muitos. Se não houvesse preconceito esse número seria maior; muito maior; seriam todos.
- Mas todos mesmo?
Ele fez silêncio.
- E porventura não há meios de morrer sem dor?
- Imagine - parou ele diante de mim -, imagine uma pedra do tamanho de uma casa grande; ela está suspensa e você debaixo dela; se lhe cair em cima, na cabeça, sentirá dor?
- Uma pedra do tamanho de uma casa? É claro que dá medo.
- Não estou falando de medo; sentirá dor?
- Uma pedra do tamanho de uma montanha, milhões de puds? É claro que não há dor nenhuma.
- Mas se você realmente ficar debaixo, e enquanto ela estiver suspensa, vai ter muito medo de sentir dor. O primeiro cientista, o primeiro doutor, todos, todos sentirão muito medo. Cada um saberá que não sentirá e cada um terá muito medo de sentir dor.
- Bem, e a segunda causa, a grande?
- É o outro mundo.
- Ou seja, o castigo?
- Isso é indiferente. O outro mundo; só o outro mundo.
- Por acaso não há ateus que não acreditam absolutamente no outro mundo?
Tornou a calar-se.
- Você não estará julgando por si?
- Ninguém pode julgar senão por si mesmo - pronunciou ele enrubescendo. - Haverá toda a liberdade quando for indiferente viver ou não viver. Eis o objetivo de tudo.
- Objetivo? Neste caso é possível que ninguém queira viver?
- Ninguém - pronunciou de modo categórico.
- O homem teme a morte porque ama a vida, eis o meu entendimento - observei -, e assim a natureza ordenou.
- Isso é vil e aí está todo o engano! - os olhos dele brilharam. - A vida é dor, a vida é medo, e o homem é um infeliz. Hoje tudo é dor e medo. Hoje o homem ama a vida porque ama a dor e o medo. E foi assim que fizeram. Agora a vida se apresenta como dor e medo, e nisso está todo o engano. Hoje o homem ainda não é aquele homem. Haverá um novo homem, feliz e altivo. Aquele para quem for indiferente viver ou não viver será o novo homem. Quem vencer a dor e o medo, esse mesmo será Deus. E o outro Deus não existirá.
- Então a seu ver o outro Deus existe mesmo?
- Não existe, mas ele existe. Na pedra não existe dor, mas no medo da pedra existe dor. Deus é a dor do medo da morte. Quem vencer a dor e o medo se tornará Deus. Então haverá uma nova vida, então haverá um novo homem, tudo novo... Então a história será dividida em duas partes: do gorila à destruição de Deus e da destruição de Deus...
- Ao gorila?
- À mudança física da terra e do homem. O homem será Deus e mandará fisicamente. O mundo mudará, e as coisas mudarão, e mudarão os pensamentos e todos os sentimentos. O que você acha, então o homem mudará fisicamente?
- Se for indiferente viver ou não viver, todos matarão uns aos outros e eis, talvez, em que haverá mudança.
- Isso é indiferente. Matarão o engano. Aquele que desejar a liberdade essencial deve atrever-se a matar-se. Aquele que se atrever a matar-se terá descoberto o segredo do engano. Além disso não há liberdade; nisso está tudo, além disso não há nada. Aquele que se atrever a matar-se será Deus. Hoje qualquer um pode fazê-lo porque não haverá Deus nem haverá nada. Mas ninguém ainda o fez nenhuma vez.
- Houve milhões de suicidas.
- Mas nunca com esse fim, tudo com medo e não com esse fim. Não com o fim de matar o medo. Aquele que se matar apenas para matar o medo imediatamente se tornará Deus.
- Talvez não consiga - observei.
- Isso é indiferente - respondeu baixinho, com uma altivez tranquila, quase com desdém. - Lamento que você pareça estar rindo - acrescentou meio minuto depois.
- Acho estranho que pela manhã você estivesse tão irritadiço mas agora esteja tão tranquilo, embora falando com ardor.
- Pela manhã? Pela manhã foi ridículo - respondeu com um sorriso -, não gosto de injuriar e nunca rio - acrescentou com ar triste.
- É, é triste o seu jeito de passar as noites tomando chá. - Levantei-me e peguei o quepe.
- Você acha? - sorriu ele com certa surpresa. - E por quê? Não, eu... eu não sei - atrapalhou-se subitamente -, não sei como fazem os outros, mas sinto que não posso fazê-lo como qualquer um. Qualquer um pensa, e logo depois pensa em outra coisa. Não posso pensar em outra coisa, pensei na mesma coisa a vida inteira. Deus me atormentou a vida inteira - concluiu de súbito com uma surpreendente expansividade."

Fiódor Dostoiéviski
(Em "Os Demônios", Paulo Bezerra (trad.), Editora 34, 4a edição, 2004, pg 118-121)

ps.: Estas linhas foram escritas em 1871. Doze anos antes de Nietzsche iniciar a escrever seu "Assim falou Zaratustra".

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Lição de vitória

"Se queres vencer o mundo inteiro, vence a ti mesmo."

Fiódor Dostoiévski
(Em "Os Demônios", Paulo Bezerra (trad.), Editora 34, 4a edição, 2004, pg 128)

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Para se aprender que fogo queima

"Houve época em que a idade era tida como qualidade, mas, de uns tempos para cá, caiu em descrédito. Nos anos 1960, tornou-se comum dizer-se que não se devia confiar em ninguém que tivesse mais de 30 anos. Descobriu-se, então, que ser jovem era o único valor real e que a chamada sabedoria dos mais velhos era simples balela. Os que diziam isso, naquela época, hoje têm mais de 50 anos e não sei se continuam a afirmar a mesma coisa ou se ensinam a seus filhos o que aprenderam com a idade.Por exemplo, que o consumo de drogas, a que se entregavam entusiasticamente naquela época, levou muitos amigos seus à loucura ou à morte precoce. Mas, se o fizerem, correm o risco de ouvir deles que não confiam em ninguém que tenha mais de 30 anos de idade, pois foi o que aprenderam com os próprios pais. De fato, aos 20 anos, a gente não sabe muito da vida. Tampouco os mais velhos sabem tudo. Se aquela frase irreverente expressava a necessidade de uma geração de romper com os valores estabelecidos e entregar-se ao desvario beatnik, há que levar em conta que cabe aos jovens inventar a própria vida e, para isso, têm que, às vezes, não ouvir os conselhos dos pais. É que nem sempre a sabedoria dos mais velhos ajuda os mais jovens. E mais que isso, o jovem quer errar, precisa errar, porque é errando que se aprende. Não adianta a mãe advertir o filhinho de não tocar o dedo na chama da vela, pois fogo queima. Ele só acreditará depois de queimar o dedo."

Ferreira Gullar
(em sua coluna no Estadão de ontem)

terça-feira, 9 de abril de 2013

Um sopro de idealismo ao nascer do dia

"Argemiro viu o dia nascer de cor vermelha e púrpura e escarlate e nuvens nacarinas esfiapadas, sangues aéreos, voos de romãs, estrias de lacre, rendas de flores rosadas, cabeças de cardeais, tições ardentes, umas coisas rosicleres. Pensou que o dia ia pegando fogo, porque antes também via tudo assim, mas não sentia a mesma coisa. Viu que o céu tinha mais cores do que a fogueira e até imaginou que talvez todos os objetos tivessem tantas cores quanto estas, só que escolhemos aqueles que devemos matizar e aqueles que devemos ter como chapados. Pode ser mesmo que nada exista a não ser o nosso olhar e as coisas que ele traz para dentro de nós, que podemos não ser nós, podemos ser uma solidão. Pode ser, enfim, que somente exista uma pessoa espigada diante do horizonte e tudo mais sejam perguntas e pedidos. Não há em toda vida a morte?"

João Ubaldo Ribeiro
(Em "Vila Real", Objetiva (3.ed), 2012, pg. 106)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Certezas de vitória

"É por não ser ambicioso que não tenho convicções, como as entendem as pessoas ambiciosas. Não há em mim nenhuma base para uma convicção. Só os aventureiros têm convicções. De quê?... De que têm de vencer. E como as pessoas são covardes, os que têm convicções vencem."

Charles Baudelaire
(Como citado no programa "Provocações" da Tv Cultura em 2/4/2013)

domingo, 7 de abril de 2013

Navegação moral

"Quando cometemos um erro, nem sempre devemos tratá-lo como se este fosse una mácula moral em nosso espírito. Pode ter sido simplesmente o caso de estarmos justificadamente confusos, pois a navegação moral em um mundo complexo e que muda rapidamente é algo realmente difícil. Deveríamos então combinar o compromisso ao pensamento rigoroso com a disposição de perdoar nossos próprios escorregões. E deveríamos lembrar, pensando holisticamente, da gratidão por vivermos em um tempo que permite este tipo de confusão."

Emrys Westacott
(Traduzido livremente de "The Virtues of our Vices", Princeton Press, 2012, pg 12)


sábado, 6 de abril de 2013

Onde estais?

"Quando se ganha o que se pensa difícil, o pensamento se desorienta. Assim ficou o povo de Argemiro, dando-se conta de como tudo se aquietou em tão pouco tempo. Todos tinham lutado menos do que esperavam, até mesmo Alarico, que viu sumirem da frente, engolidos pelo ar e pelo chão, os inimigos. Então era isso o que acontecia, quando se tinha companhia para a luta e se tinha o equipamento. Então era assim a face do vitorioso de antes, agora confundida com a poeira do chão e pronta a ser esquecida. É verdade que todo homem que já viveu nunca se apaga de todo, porque aqui e ali há uma grama que ele pisou e lá o ar se agitou com a sua falta ou seu gesto. Cada um pois deixa qualquer marca, mas também deixam marcas as plantas e as pedras e tudo o que já modificou a paisagem. Louvado seja Deus, disse o padre Bartolomeu, sentindo arrepios e a carne fazendo ondas nos músculos da barriga. Devia vomitar e estrabar todas as dúvidas e devia estar longe e fazendo penitência e não devia estar aqui com as bochechas bolsadas pela náusea da violência e pela comida que o corpo enjeitou. Mas não se achava melhor homem do que os outros e então buscou rezar em companhia de todos os outros e maldisse o livre-arbítrio que lhe tinham dado, desde quando possuía consciência. Pois seria melhor que houvesse cordões que mexessem seus braços e todo o seu corpo e que houvesse um livro onde olhasse as respostas completas. Entretanto, não era assim, porque o livro que existe tem muitos discursos e cada olho que se assenta sobre ele vê uma luz diversa. Padre Bartolomeu quis que existisse uma resposta, mas, sabendo que ela não estava a seu alcance, lembrou que as sementes do chão hão que render frutos para todos os viventes. Recordou que no livro são contadas mortes e batalhas. Exurge, quare obdormis, Domine? - pensou o padre, com vontade de chorar. Na sebe de tiriricas, os corpos de sangue empedrado. Em toda parte, um cheiro de defuntos frescos. E aqui uma solidão, nesta cabeça sem cabelos. Onde estais, Senhor? A coisa mais difícil é escolher."

João Ubaldo Ribeiro
(Em "Vila Real", Objetiva (3.ed), 2012, pg. 94)