quinta-feira, 30 de junho de 2011

Simpatia

"Os patifes são em geral pessoas muito simpáticas. Não há nada mais aborrecido que um homem de caráter"

Erico Veríssimo
(Em "O Continente", vol 2, Cia das Letras 2004, pg 105)

quarta-feira, 29 de junho de 2011

De olhos bem fechados

"Você pode animar alguém que tem os olhos vendados o máximo possível a olhar através da venda e ele nunca irá ver; só quando lhe tirarem a venda é que ele será capaz de enxergar."

Franz Kafka
(Em "O Castelo", trad. Modesto Carone, Cia de Bolso 2000, pg 212)

terça-feira, 28 de junho de 2011

Uma (Curta) Dedução do Valor da Fé

"A fé salva, logo mente."

Friedrich Nietzsche
(Citado por Comte-Sponville em "Apresentação da Filosofia", Martins Fontes 2002, pg 89)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Bom Discípulo

"Mal corresponde ao mestre aquele que nunca passa de discípulo. E por que não quereis arrancar a minha coroa?"

Friedrich Nietzsche
("Assim Falou Zaratustra", trad. Pietro Nassetti, Martin Claret 1999, pg 72)

sábado, 25 de junho de 2011

O trabalho de um filósofo

"Estou, portanto, como fiz já inúmeras vezes, criticando uma visão que antes eu defendia. É muito estranho, mas há filósofos que me criticam por eu criticar-me. Vêem o fato de eu mudar minha opinião em filosofia como um defeito de caráter. Quando estou de bom-humor, respondo que deve ser porque eu, que mudo de idéia, cometo erros, enquanto os outros filósofos que nunca mudam de idéia simplesmente não cometem erros. Mas agora quero dizer algo sério sobre isso. Nunca esqueci as conversas que tive com Rudolf Carnap nos anos 1953-55, e em particular, nunca esqueci como Carnap - um grande filósofo que tinha uma áurea de integridade e seriedade quase dominante - salientava que ele tinha mudado de opinião sobre os assuntos filosóficos mais de uma vez. (...) Apesar de eu não concordar com nenhuma das doutrinas de Carnap, para mim Carnap é ainda o exemplo extraordinário de um ser humano que põe a busca pela verdade acima da vaidade pessoal. O trabalho de um filósofo não é produzir uma visão X e então, se possível, tornar-se universalmente conhecido como Sr. Visão X ou Sra Visão X. Se as investigações filosóficas (uma expressão tornada famosa por outro filósofo que mudou de idéia) contribuem ao diálogo milenar que é a filosofia, se elas aprofundam nosso entendimento dos enigmas referidos como "problemas filosóficos", então o filósofo que conduz estas investigações está fazendo um bom trabalho. A filosofia não é uma disciplina que resulta em soluções finais, e a descoberta de um último aspecto - não importando se produzida por si mesmo ou não - não elimina o mistério característico do trabalho, quando o trabalho é bem feito. "

Hilary Putnam
(Traduzido livremente de "Representation and Reality", MIT Press 2001, pg xii)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Objeto

"Há uma dimensão de realidade que nem mesmo a mais ousada - ou mais preguiçosa - indulgência para com a subjetividade pode se atrever a invadir."

Harry G. Frankfurt
("Sobre a Verdade", Trad. Denise Bottman, Cia das Letras 2007, pg 33)

terça-feira, 21 de junho de 2011

Felicidade x Virtude

"Podemos observar que mesmo aqueles que afirmam as virtudes como fonte do bem, quase invariavalmente também afirmam visões contrárias a esta tese, e isso principalmente devido a um fracasso na análise do significado dos conceitos éticos. A instância mais destacada de tal inconsistência é encontrada na concepção Cristã de Virtude, pensada esta como um bem maior, e que pode, porém, ser recompensada por outra coisa que não ela mesma. O Reino dos Céus é normalmente considerado como a recompensa da Virtude; e é também dito que para ser considerado como uma recompensa ele deve conter um determinado elemento, chamado de Felicidade, que é certamente não idêntico ao mero exercício das virtudes das quais é a recompensa. Mas se é assim, então alguma coisa que não é Virtude pode ser boa em si mesma ou ao menos possuir mais valor intrínseco que a Virtude. Não se faz a ressalva de que se uma coisa é de fato recompensa de algo, ela deve ser boa em si mesma: é absurdo falar em uma recompensa que tem menos valor do que aquilo que o recompensado já obteve com sua ação. Então a visão de Kant que a Virtude nos rende "merecedores" da felicidade é em flagrante contradição com a visão de que uma Boa Vontade é a única coisa que possui valor intrínseco. Tal "merecer" não nos autoriza, é verdade, a acusar Kant - como tanto já se fez - de ser um Hedonista: pois o merecimento da felicidade não implica que a felicidade é o único bem que há. Isto porém certamente implica que a Boa Vontade não é o único bem: um estado de coisas no qual somos tanto virtuosos quanto felizes é melhor em si mesmo que um estado em que a felicidade está ausente."

G. E. Moore 
(Traduzido livremente de "Principia Ethica", par. 105, 1903)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Uma teia feita de vontade

"Um homem que não encontra mulheres esquece que elas, de superior, possuem a vontade. Um homem não consegue desejar como uma mulher o faz, ele distrai-se, interrompe-se, uma mulher não. Diante a ela, o homem encontra-se pressionado. Uma mulher é como a teia de aranha estendida em um caminho, gruda-se às vestes de quem passa e se faz levar junto. Um homem que não frequenta mulheres é isso, um homem sem. Não é um homem e basta, nada mais a dizer. É um homem sem. Ele até pode esquecer disso, mas quando se encontra diante a uma delas, sabe-o muito bem."

Erri de Luca
(Traduzido livremente de "Il Peso della Farfalla", Einaudi 2010, pg 42)

sábado, 18 de junho de 2011

O Preço


"- O que você está fazendo?
- Estou lendo.
- Você me compra uma bebida?
- Se quiser.
- Você vem bastante aqui?
- Não, às vezes. Hoje, por sorte.
- Por que você lê?
- É meu trabalho.
- É engraçado. De repente eu não sei o que dizer, isso acontece muito comigo. Eu sei o que quero dizer. Eu reflito sobre o que quero dizer. Mas no momento de dizer, eu não consigo.
- Sim, claro. Você leu os três mosqueteiros?
- Eu vi o filme. Por quê?
- Porque nele, Porthos - isso se passa na verdade no "Vinte Anos Depois" - Porthos, o grande, o forte, um pouco estúpido, ele nunca pensou em sua vida, compreende? Então, uma vez ele tem de implantar uma bomba numa adega, para explodí-la. Ele o faz. Ele coloca a bomba, acende-a e sai correndo, naturalmente. Mas de golpe ele começa a pensar. Ele pensa no quê? Ele se pergunta como ele é capaz de colocar um pé após o outro. Você já deve ter pensado nisso também. Então ele pára de correr. Ele não pode mais, não pode avançar. Tudo explode, a adega cai sobre ele. Ele a segura com seus ombros, ele é forte, mas depois de um dia, ou dois, ele cede e morre. A primeira vez que ele pensa, ele morre.
- Por que me conta essa história?
- Sem razão, só por falar.
- E por que a gente precisa sempre falar? Muitas vezes devíamos nos calar, viver em silêncio. Quanto mais se fala, menos as palavras significam.
- Talvez, mas como se pode?
- Eu não sei.
- Eu acho que não podemos viver sem falar.
- Então é isso. Eu gostaria de viver sem falar.
- Sim, isso seria bom, não? Seria bom. É como se não amássemos mais. Mas não é possível, nunca vai ser.
- Mas por quê? As palavras deveriam significar exatamente o que queremos... Elas nos traem?
- Mas nós as traímos também. Nós devíamos poder dizer o que queremos, como já foi feito com a boa escrita. É mesmo extraordinário que um homem como Platão... que a gente ainda possa compreendê-lo, e a gente o compreende. Mesmo que ele tenha escrito em Grego, há 2500 anos. Ninguém realmente sabe a língua daquela época, ao menos exatamente. Mas ainda assim passa alguma coisa... então nós devemos poder nos expressar.
- E por que devemos? Para nos compreendermos?
- Nós precisamos pensar, e para pensar, é preciso falar. Não há outro jeito. E para comunicar, deve-se falar: é a vida.
- Sim, mas ao mesmo tempo é muito difícil. Eu acho que a vida devia ser fácil... Você sabe, a sua história dos Três Mosqueteiros pode ser muito boa, mas é terrível!
- Sim, porém é uma indicação. Eu creio que aprendemos a falar bem quando renunciamos à vida por algum tempo. É quase... o preço.
- Então, falar é morrer?
- Falar é quase uma ressurreição em relação à vida. Quando falamos é uma outra vida de quando não falamos. Então, para viver falando, deve-se passar pela morte da vida sem falar. Eu talvez não esteja sendo claro, mas há uma certa regra ascética que nos impede de falar bem até olharmos a vida com desapego.
- Mas não se pode viver a vida com... Eu não sei...
- com desapego.,, Sim, mas nós balanceamos, é por isso que devemos passar do silêncio às palavras. Movemo-nos entre os dois porque esse é o movimento da vida. Da vida cotidiana nos elevamos a uma vida que chamamos de superior, é a vida do pensamento. Mas essa vida pressupõe a morte da vida cotidiana, da vida elementar.
- Mas então pensar e falar se parecem?
- Eu acredito, eu acredito. Platão o disse; é uma idéia antiga. Não podemos distinguir do pensamento o que é pensamento e o que são as palavras que o exprimem. Analisando a consciência, você não consegue separar o momento de pensar das palavras que exprimem o pensamento.
- Falando, então, a gente arrisca a mentir?
- Sim porque mentiras são também parte de nossa busca. Há pouca diferença entre o erro e a mentira. E não quero dizer mentiras comuns como quando eu prometo ir amanhã, mas não vou porque não queria. Entende, esses são truques. Mas uma mentira sutil é pouco distante de um erro. A gente procura, e não consegue achar as palavras certas. É por isso que você não conseguia antes saber o que dizer. Você tinha medo de não achar a palavra certa. E eu acho que é isso.
- Sim, mas como ter a certeza de ter encontrado a palavra certa?
- Deve-se trabalhar. É necessário um esforço. Deve-se falar num modo que é certo, um modo que não machuque, diga o que pode ser dito, faça o que tem de fazer, sem machucar nem ferir.
- Sim, deve-se tentar ter boa fé. Uma vez alguém disse "A verdade está em tudo, mesmo no erro".
- Isso é verdade. Isso não foi visto na França no século XVII. Eles achavam que podiam evitar o erro e ainda mais que isso, que podia-se viver na verdade diretamente. Creio que não é possível. Por isso há Kant, Hegel, a filosofia alemã: para nos conduzir à vida e nos fazer ver que devemos passar pelo erro para chegar na verdade.
- O que você pensa do amor?
- O corpo tinha que chegar nisso. Leibnitz introduziu o contingente. Verdades contingentes e necessárias fazem a vida cotidiana. Aos poucos chegamos na filosofia alemã onde pensamos, na vida, com os erros da vida, com as servitudes da vida. E deve-se lidar com isso, é verdade.
- O amor não deve ser a única verdade?
- Mas para isso, o amor deveria ser sempre verdadeiro. Você conhece alguém que sabe de cara quem ele ama? Não. Quando você tem vinte anos não sabe o que ama. Você sabe migalhas, agarra-se só à experiência própria, você diz "amo isso", é sempre uma mistura. Mas para ser constituído inteiramente daquilo que se ama, é preciso maturidade. Isso significa buscar. E é essa a verdade da vida. É por isso que o amor é uma solução, na condição que seja verdadeiro."



Do filme "Vivre Sa Vie" de Jean Luc Godard, 1962.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Sonhos de Passado

"E, enquanto lá me achava a meditar sobre o velho, desconhecido mundo, lembrei-me da surpresa de Gatsby, ao divisar, pela primeira vez, a luz verde existente na extremidade do ancoradouro de Daisy. Ele viera de longe, até aquele relvado azul, e seu sonho deve ter-lhe parecido tão próximo, que dificilmente poderia deixar de alcançá-lo. Não sabia que seu sonho já havia ficado para trás, perdido em algum lugar, na vasta obscuridade que se estendia para além da cidade, onde as escuras campinas da república se estendiam sob a noite. Gatsby acreditou na luz verde, no orgiástico futuro que, ano após ano, se afastava de nós. Esse futuro nos iludira, mas não importava: amanhã correremos mais depressa, estenderemos mais os braços... E, uma bela manhã...
 
Pois assim prosseguimos, botes contra a corrente, impelidos incessantemente para o passado."

F. Scott Fitzgerald
(Traduzido livremente de "O Grande Gatsby", trad. Breno Silveira, Record 1953)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Acaso e Maravilha

"A existência deve antes de mais nada ser considerada como um puro acaso para poder então ser vivida plenamente como uma maravilha única. É necessário compreender claramente que a existência, inexoravelmente, não se realiza senão uma única volta, para poder então festejá-la por aquilo que nela há de único e de insubstituível."

E. Hoffman
(Traduzido livremente de como citado por Pierre Hadot em "Che cos'è la filosofia antica?", trad. Ellena Giovanelli, Einaudi 1998, pg 123)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Verdade e critério de Verdade

"Frequentemente afirma-se que eu não posso de nenhum modo distinguir o que é verdade do que eu penso ser verdade: e isto é verdade. Mas mesmo que eu não possa distinguir o que é verdade do que eu penso que é verdade, sempre posso distinguir o que pretendo significar ao dizer que é verdade do que eu pretendo significar ao dizer que eu penso que é verdade. Pois eu entendo o significado da suposição que aquilo que eu penso ser verdade pode ser falso. Quando, portanto, eu afirmo que é verdade eu quero afirmar algo distinto da proposição que afirma que eu penso que é verdade. O que eu penso, a saber algum fato verdadeiro, é sempre completamente distinto do fato de eu pensá-lo. A afirmação que algo é verdade nem mesmo inclui a afirmação que eu penso que é verdade; mesmo que, é claro, sempre que eu penso que algo é verdade, é, de fato, também verdade que eu penso que é verdade. Esta proposição tautológica, que para uma coisa ser pensada como verdadeira é necessário que ela seja pensada de um determinado modo, é mesmo assim frequentemente identificada com a proposição que afirma que para uma coisa ser verdadeira ela deve ser pensada de algum modo. (...) Que ser verdade significa ser pensado de um determinado modo é certamente falso. E, porém, esta afirmação joga um papel absolutamente essencial na "revolução Copernicana" de Kant e torna toda a massa da literatura moderna produzida na trilha de tal revolução, a chamada Epistemologia Moderna, completamente imprestável. (...) É claro que a única conexão que pode haver entre ser verdadeiro e ser pensado de determinado modo é que este último venha a ser um critério ou teste do primeiro. Mas para se estabelecer isto, seria necessário estabelecer, por métodos de indução, que aquilo que é verdade é sempre pensado de determinado modo. A Epistemologia Moderna dispensa esta longa e difícil investigação com o custo da assunção auto-contraditória que a verdade e o critério da verdade são uma e a mesma coisa."

G. E. Moore
(Traduzido livremente de "Principia Ethica", par. 80, 1903)

terça-feira, 14 de junho de 2011

O campo de força científico

"A ciência é como um campo de força do qual as condições de fronteira são a experiência. Um conflito com a experiência na periferia ocasiona reajustes no interior do campo. Valores de verdade devem ser redistribuídos. E a revaloração de algumas afirmações implica a revaloração de outras, devido a interconexões lógicas. As leis lógicas são, também elas, apenas outras afirmações do sistema, outros elementos do campo."

W. V. Quine
(Traduzido livremente de "Two Dogmas of Empiricism", The Philosophical Review vol 60 no 1, 1951, pg 39)

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Caminho da liberdade

"A arte é o lugar em que a prisão se confronta com a possibilidade de sua superação."

Hermenegildo Bastos
(Posfácio de "Vidas Secas" na edição da Record)

sábado, 11 de junho de 2011

Insatisfação Epistêmica

"Agora, pode-se dizer que isso tudo é muito insatisfatório. E é de fato; porém é importante distinguir duas razões diversas de insatisfação. É insatisfatório porque não somos capazes de provar o que afirmamos? ou é insatisfatório meramente porque não concordamos uns com os outros? Estou inclinado a pensar que a última é a verdadeira razão. Pois, o mero fato de, em alguns casos, uma prova ser impossível, não nos dá nenhuma razão para insatisfação. Por exemplo, ninguém pode provar que há uma cadeira aqui do meu lado; porém, não penso que haja alguém insatisfeito por esta razão. Todos concordamos que isto é uma cadeira, apesar de ser possível que estejamos todos errados. Um louco, é claro, poderia entrar nesta sala e dizer que não é uma cadeira, mas um elefante. Não poderíamos provar que ele está errado, e o fato de ele não concordar conosco, este sim poderia começar a nos deixar inquietos. Ainda mais inquietos se alguém que acreditamos não ser louco discordasse de nós sobre esta cadeira. Deveríamos então tentar argumentar com ele, e provavelmente estaríamos completamente satisfeitos se fizéssemos com que ele concordasse conosco mesmo sem que tenhamos nisto provado nosso ponto. Podemos apenas persuadi-lo mostrando que nossa visão é consistente com alguma outra coisa que ele afirma ser verdade, enquanto sua visão original é contraditória com relação a esta outra sua afirmação. Mas é impossível provar a verdade de algo que concordamos. Em resumo, nossa insatisfação nestes casos é como aquela sentida pelo pobre lunático: eu digo que o mundo está louco, diz ele, o mundo diz que eu estou louco; e eles são maioria. É sempre um desses desacordos, e não a impossibilidade de prova, que nos leva a chamar a situação de insatisfatória. De fato, quem pode provar que a prova, ela mesma, é garantia de verdade? Todos nós concordamos com as leis da lógica e, portanto, aceitamos um resultado que é provado por meio delas; mas tal prova é satisfatória para nós somente porque todos nós concordamos com seu caráter de garantia de verdade. E, apesar disso, não podemos de nenhum modo provar que estamos certos em assim concordarmos."

G. E. Moore
(Traduzido livremente de "Principia Ethica", par. 45, 1903)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sorte na Vida

"Eu vi ainda debaixo do sol que a corrida não é para os mais ligeiros, nem a batalha para os mais fortes, nem o pão para os mais sábios, nem as riquezas para os mais inteligentes, mas tudo depende do tempo e do acaso."

Eclesiaste
(Como citado por Lygia Fagundes Telles em "Durante aquele estranho chá")

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Vida Moral Platônica

"Se é para nos iluminar, o ataque de Platão à arte deve ser lido no contexto de sua filosofia moral. A vida é uma peregrinação espiritual inspirada pelo magnetismo perturbador da verdade, envolvendo por isso mesmo uma purificação do vigor e do desejo à luz da visão do que é bom. A vida boa e justa é um processo de clarificação, um movimento em direção à lucidez abnegada, guiada por idéias de perfeição que são objetos de amor. A moralidade de Platão não é friamente intelectual, ela envolve todo o homem e associa valor aos nosso atos cotidianos de preocupação mais concretos."

Iris Murdoch
(Traduzido livremente de "Metaphysics as a Guide to Morals", Penguin 1992, pg 14)

terça-feira, 7 de junho de 2011

Falácia Ética

[Em resposta à pergunta "O que é o bem em si mesmo?" um grande número de filosófos da ética] " afirmam que há somente um tipo de fato que é bom em si mesmo. (...) E a principal razão para que tal fato único seja afirmado como aquilo que define o único bem é que este fato corresponde justamente ao significado de bem. Em outras palavras, estas são todas teorias de um fim ou ideal adotado principalmente devido ao que chamei de 'falácia naturalista': confunde-se a pergunta "Qual o significado de bom?" com a outra pergunta "A que coisas ou fatos e em que grau este predicado está diretamente associado?". É justamente isto que explica a propensão desses filósofos a afirmar que deve haver somente um tipo de bem. A inferência parece muito natural; e, porém, o que ela implica é uma contradição. Pois aqueles que a fazem não percebem que a conclusão - aquilo que possui tal propriedade é bom - é ainda uma proposição significativa: ela não significa que aquilo que possui esta propriedade possui esta propriedade; nem a palavra bom denota que uma coisa possui esta propriedade. Mas, se não se quer significar uma dessas duas coisas, então a inferência é contrária às suas próprias premissas."

G. E. Moore
(Traduzido livremente de "Principia Ethica", par. 24, 1903)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Direito de Crença

"Eu tenho o direito de afirmar 'Não posso estar errado sobre isto' mesmo quando estou errado."

Ludwig Wittgenstein
(Traduzido livremente de "On Certainty", nº 663, trads. Denis Paul and G. E. M. Anscombe, Blackwell, 1969)

Verdades primitivas

"Esta verdade deve ser vivida, não simplesmente pronunciada...
Não há de fato nada para se argumentar neste ensinamento;
Qualquer argüição certamente a ele seria contrária.
As doutrinas que se entregam a controvérsias e argüições entregam-se ao próprio nascimento e  morte."

HuiNeng (monge budista século VII)
(Traduzido do inglês como citado por Huxley em "The Perennial Philosophy")

sábado, 4 de junho de 2011

Sobre a verdade científica

"Uma das características mais supreendentes da natureza é a variedade de esquemas intepretativos que ela aceita."

Richard Feynman
(Traduzido livremente de "The Character of Physical Law", BBC 1965, pg 54)

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A Civilização do Espetáculo

 [Contrariando a praxe deste blog, traduzo um artigo inteiro, por sua relevância em tempos de irrelevâncias.]



"As horas perderam o seu relógio"
Vicente Huidobro


A Civilização do Espetáculo

Este ensaio foi nascendo ao longo dos últimos anos sem que eu me desse conta, provocado pela incômoda sensação que costumava assaltar-me enquanto visitava exposições, assistia alguns espetáculos, via certos filmes, obras de teatro ou programas de televisão, lia certos livros, revistas e artigos, que estavam todos tomando-me por idiota sem que eu pudesse defender-me diante a esta devastadora e sutil conspiração para fazer-me sentir um inculto, um estúpido.

Este livro é minha alegação de defesa. Quando comecei a escrevê-lo, descobri que há tempos estive tocando alguns de seus temas de maneira fragmentária em outros artigos, e isso explica que cada capítulo tenha como nota final uns "antecedentes" que reproduzem os textos tal como eles foram publicados (com a ocasional correção de uma errata ou uma falta de pontuação). Mas utilizei também, em alguns capítulos, partes, por vezes muito longas, de ensaios, introduzindo em tais textos, nestes sim, emendas importantes. Apesar de todas essas colagens, creio que o livro tenha se tornado um ensaio organizado que foi elaborado ao longo de anos em torno de um único tema inquietante e fascinante: como a cultura na qual nos movemos foi-se banalizando até converter-se em um pálido remendo daquilo que nossos pais e avós entendiam por esta palavra. Parece-me que tal transformação significa uma deterioração resumida na nossa crescente confusão resultante de um mundo sem valores estéticos, no qual as artes e as letras - as humanidades - tenham se tornado pouco mais que formas secundárias de entretenimento, do tipo que provém ao grande público os grandes meios audio-visuais, e sem maior influência na vida social. Esta, a vida social, resolutamente orientada por considerações pragmáticas, transcorre então ao ser dirigida por especialistas e técnicos, em busca essencialmente da satisfação e das necessidades materiais e animada pelo espírito do lucro, motor da economia, valor supremo da sociedade, medida exclusiva do fracasso e do êxito, e, pelo mesmo, razão de ser dos destinos individuais.

Pois este não é um pesadelo à la Orwell, mas uma realidade perfeitamente possível à que, insensivelmente, foram-se aproximando as nações mais avançadas e livres do planeta, as do Ocidente democrático e liberal, na medida em que os fundamentos da cultura tradicional entravam em bancarrota, iam-se desintegrando, e sendo substituídos por umas farsas que afastavam cada vez mais do grande público as criações artísticas e literárias, as idéias filosóficas, os ideais cívicos, os valores e, em suma, toda aquela dimensão espiritual chamada antigamente de cultura, que, mesmo confinada principalmente a uma elite, transbordava sobre o conjunto da sociedade e influía nela, dando um sentido à vida e uma razão de ser à existência que transcendia o mero bem-estar material do cidadão. Nunca antes vivemos como agora, em uma época tão rica em conhecimentos científicos e invenções tecnológicas, nem melhor equipada para derrotar as enfermidades, a ignorância e a pobreza e, ao mesmo tempo, nunca estivemos tão desconcertados e perdidos com relação a certas questões básicas como o que fazemos aqui neste astro sem luz própria no qual nos toca viver, se a mera sobrevivência é o único norte que justifica a vida, se palavras como espírito, ideais, prazer, amor, solidariedade, arte, criação, alma, transcendência, significam algo ainda, e, caso a resposta seja positiva, quais são exatamente seus significados. Antes, a razão de ser da cultura era dar uma resposta a este tipo de pergunta, mas o que hoje entendemos por cultura está exonerada completamente de tal responsabilidade, já que dela temos feito algo muito mais superficial e volúvel, ou uma forma de diversão ligeira do grande público ou um jogo retórico, exotérico e obscurantista para grupinhos vaidosos que viram as costas para o resto da sociedade.


A ideia de progresso é enganosa. Quem, sem ser cego ou fanático, poderia negar que uma época na qual os seres humanos pudessem viajar às estrelas, comunicar-se instantaneamente, saltando todas as distâncias, graças à Internet, clonar os animais e os homens, fabricar armas capazes de volatizar o planeta e destruir com nossas prodigiosas invenções industriais o ar que respiramos, a água que bebemos e a terra que nos alimenta, tenha alcançado um desenvolvimento sem precedentes na história da humanidade? Pois ao mesmo tempo, nunca esteve menos segura a sobrevivência da espécie pelos riscos de um confronto atômico, pela loucura sanguinária do fanatismo religioso e pela erosão do meio ambiente, e também nunca vimos, junto às extraordinárias oportunidades e condições de vida de que gozam os privilegiados, tamanho contraste com a pavorosa miséria e as atrozes condições de vida de que ainda padecem, neste mundo tão próspero, centenas de milhões de seres humanos, não só no Terceiro Mundo, também em esquinas de horror e vergonha do seio das cidades mais opulentas do planeta.


No passado, a cultura teve sempre que tratar destes temas e foi sempre o melhor meio de chamar a atenção a tais problemas, uma consciência que impedia as pessoas cultas de voltar suas costas à realidade crua e rude de seu tempo. Agora, bem, o que chamamos de cultura é apenas um mecanismo que permite ignorar os assuntos problemáticos, distrair-nos do que é sério, submergir-nos em um momentâneo "paraíso artificial", pouco menos que o sucedâneo de uma tragada de maconha ou de uma linha de coca, a saber, umas férias de irrealidade.


Todos estes são temas profundos e complexos que não cabem nas pretensões, muito mais limitadas, deste livro. Este só quer ser um testemunho pessoal, em que aquelas questões se refratam em experiências de alguém que, desde que descobriru, através dos livros, a aventura espiritual, teve sempre por modelo aquelas pessoas cultas, que se moviam com desenvoltura no mundo das ideias e que tinham mais ou menos claros alguns valores estéticos que os permitiam opinar com segurança sobre o que era bom e mau, original ou epígono, revolucionário ou rotineiro, na literatura, artes plásticas, filosofia, música. Conhecendo bem as deficiências da minha formação escolar e universitária, durante toda a minha vida procurei preencher esses vazios estudando, lendo, visitando museus e galerias, frequentando bibliotecas, conferencias e concertos. Não havia nisso nenhum sacrifício. Mas sim o imenso prazer de, pouco a pouco, ir descobrindo que se alargava o meu horizonte intelectual, que entender Nietzsche, Popper, ler Homero, decifrar o Ulisses de Joyce, saborear a poesia de Góngora, de Baudelaire, de T. S. Eliot, explorar o universo de Goya, de Rembrandt, de Picasso, de Mozart, de Mahler, de Bartók, de Chéjov, de O'Neil, de Ibsen, de Brecht, enriquecia extraordinariamente minha fantasia, meus apetites e minha sensibilidade.


Até que, de repente, comecei a sentir que muitos artistas, pensadores e escritores contemporâneos estavam-me tomando por idiota. E que este não era um feito isolado, casual e temporário, mas um verdadeiro processo do qual pareciam cúmplices, além de criadores, seus críticos, editores, produtores e um público de babacas inconscientes manipulados ao gosto daqueles que fazem-nos comprar gato por lebre, por razões de bem-estar às vezes e, em outras vezes, por pura frivolidade.


Quero deixar registrado meu protesto, pelo que este possa valer, que, sei, não será muito. Há muitos interesses neste meio, pronto! Provavelmente, o fenômeno que este ensaio descreve não tenha remédio, porque já forma parte da maneira de ser, de viver, de fantasiar e de crer da nossa época, e aquilo que este livro anseia seja só pó e cinzas, sem ressurreição possível. Mas poderia ser, também, já que nada está quieto no mundo em que vivemos, que esse fenômeno, a civilização do espetáculo, pereça sem pena nem glória, por obra de sua própria inanidade e ninharia, e que outro o substitua, talvez melhor, talvez pior, na sociedade que virá. Confesso que tenho pouca curiosidade pelo futuro, nele que, tal como vão as coisas, tendo a descrer. Ao contrário, interessa-me muito o passado, e muitíssimo o presente, que seria incompreensível sem aquele. Neste presente há inumeráveis coisas melhores do que aquelas vistas pelos nossos ancestrais, desde logo: menos ditaduras, mais democracias, uma liberdade que alcança mais países e pessoas como nunca antes, uma prosperidade e uma educação que chegam a muitas pessoas e oportunidades para um grande número de seres humanos que jamais existiram antes, exceto para ínfimas minorias.


Mas, em um campo específico, mesmo com suas fronteiras voláteis - o da cultura - creio que retrocedemos, sem advertir-se nem querer, por culpa fundamental dos países mais cultos, aqueles da vanguarda do desenvolvimento, aqueles que marcam as pautas e as metas e que pouco a pouco vão contagiando os que vêm atrás. E por isso mesmo creio que uma das consequencias que poderia ter a corrupção da vida cultural por obra de frivolidade poderia ser esta: que aqueles gigantes tenham se revelado com pés de barro e tenham perdido seu protagonismo e seu poder, por terem dissipado com tanta velocidade a arma secreta que os fez o que chegaram a ser, essa delicada matéria que dá sentido, conteúdo e ordem ao que chamamos de civilização."

Mario Vargas Llosa
(Minha tradução livre do ensaio em El País entitulado "La Civilización del Espectáculo")


quinta-feira, 2 de junho de 2011

Atitude não resolve o problema da arte

"É como se o presente se absolutizasse e não mais admitisse um legado cultural como patamar exigente de rigor para sua produção (...) é como se alguma coisa se introduzisse na cultura e a tornasse inofensiva, doméstica. (...) A ação já se apresenta como narrativa, como ocorre nos reality shows, em que as pessoas, antes de agir, representam ou narram a ação que lhes cabe, como se todo mundo fosse interessante o bastante para ser visto/lido (...) Não basta haver conhecimento; tem de se produzir o que não é e o que não há (...) Na arte, não há nenhum valor simbólico que substitua o objeto (...) não há atitude ou opção ideológica que permita saltar sobre os mecanismos da composição (...) Perdida a noção de herança cultural, perde-se a de crítica, de autocrítica, e naturalmente a de criação (...) Escrever literatura é um gesto simbólico que traz uma exigência: a de ser de qualidade (...) A recusa de muitos escritores de sequer considerar o impasse atual tem qualquer coisa de cegueira deliberada (...) Atitude resolve problemas do roqueiro, mas não resolve a questão da literatura".

Alcyr Pecora
(Em seu ensaio no O Globo do último 23 de abril)

A correta dimensão do homem

"Pensar? Só se for para ao mundo voltar
Os problemas não valem pela solução,
muito pelo contrário, valem pelo que são
porque do homem dão a correta dimensão
e nos fazem viver com mais cuidado,
como se o mundo não fosse algo privado
tal como vivem os que se colocam como reis,
ainda que o preço seja viver alienado."


Fernando Carlucci
(O texto completo você acha Aqui!)

[Cabe uma nota minha: se não fosse por um "problema", uma "dificuldade", uma "dor" em algum sentido, penso que este texto não teria surgido. Pois bem, e ainda há aqueles (idiotas?) que procuram o valor maior na felicidade...]

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Será que a "importância" morreu?

"Nunca tivemos tantos criadores, tanta produção cultural enchendo nossos olhos e ouvidos com uma euforia medíocre, mas autêntica. Há uma grande vitalidade neste cafajestismo poético, enchendo a web de grafites delirantes. Não sei em que isso vai dar, mas o tal "futuro" chegou; grosso, mas chegou. Talvez este excesso de "irrelevâncias" esteja produzindo um acervo de conceitos "relevantes", ainda despercebidos. Podemos nos dedicar ao micro, ao parcial, podemos nos arriscar ao erro com mais alegria; mas, isso não pode justificar um desprezo pela excelência. E o pior é que as tentativas de "grande arte" são vistas com desconfiança, como atitudes conservadoras, diante da cachoeira de produções que navegam no ar. Isso me lembra o tempo em que achávamos que o "fluxo da consciência", "the stream of consciousness" ou até o discurso psicótico encerravam uma sabedoria insuspeitada. Será que houve a morte da "importância"? Ou ela seria justamente esta explosão de conteúdos e autores? O "importante" seria agora o quantitativo? Não sei; mas, se tudo é "importante", nada o é. A importância de uma obra reside no grau de decifração da vida de seu tempo e para onde ela aponta, mesmo no túnel sem luz."

Arnaldo Jabor
(Em sua coluna do Estadão desta terça-feira)