sábado, 25 de junho de 2011

O trabalho de um filósofo

"Estou, portanto, como fiz já inúmeras vezes, criticando uma visão que antes eu defendia. É muito estranho, mas há filósofos que me criticam por eu criticar-me. Vêem o fato de eu mudar minha opinião em filosofia como um defeito de caráter. Quando estou de bom-humor, respondo que deve ser porque eu, que mudo de idéia, cometo erros, enquanto os outros filósofos que nunca mudam de idéia simplesmente não cometem erros. Mas agora quero dizer algo sério sobre isso. Nunca esqueci as conversas que tive com Rudolf Carnap nos anos 1953-55, e em particular, nunca esqueci como Carnap - um grande filósofo que tinha uma áurea de integridade e seriedade quase dominante - salientava que ele tinha mudado de opinião sobre os assuntos filosóficos mais de uma vez. (...) Apesar de eu não concordar com nenhuma das doutrinas de Carnap, para mim Carnap é ainda o exemplo extraordinário de um ser humano que põe a busca pela verdade acima da vaidade pessoal. O trabalho de um filósofo não é produzir uma visão X e então, se possível, tornar-se universalmente conhecido como Sr. Visão X ou Sra Visão X. Se as investigações filosóficas (uma expressão tornada famosa por outro filósofo que mudou de idéia) contribuem ao diálogo milenar que é a filosofia, se elas aprofundam nosso entendimento dos enigmas referidos como "problemas filosóficos", então o filósofo que conduz estas investigações está fazendo um bom trabalho. A filosofia não é uma disciplina que resulta em soluções finais, e a descoberta de um último aspecto - não importando se produzida por si mesmo ou não - não elimina o mistério característico do trabalho, quando o trabalho é bem feito. "

Hilary Putnam
(Traduzido livremente de "Representation and Reality", MIT Press 2001, pg xii)