quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Quando o silêncio e a obscuridade são necessários

"As tarefas que se baseiam sobre uma tenacidade interior devem ser silentes e obscuras; assim que um as declara ou delas se vangloria, tudo parece fajuto, sem sentido e até mesmo mesquinho."

Italo Calvino
(Traduzido livremente de "Il Barone Rampante", Oscar Mondadori, 2002, pg 50)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O acaso debaixo do sol

"Eu vi ainda debaixo do sol que a corrida não é para os mais ligeiros, nem a batalha para os mais fortes, nem o pão para os mais sábios, nem as riquezas para os mais inteligentes, mas tudo depende do tempo e do acaso"

Eclesiastes 9: 11.

domingo, 28 de agosto de 2011

Leite derramado

"Chorar o leite derramado não é tão inútil quanto se diz, é de alguma maneira instrutivo porque nos mostra a verdadeira dimensão da frivolidade de certos procedimentos humanos, porquanto se o leite derramou, derramado está e só há que limpá-lo."

José Saramago
(Em "Caim", Cia das Letras, 2009, pg 40)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Pense, mas não sempre!

"É um truísmo profundamente errôneo, repetido em tantos livros e por eminentes discursantes, aquele que nos convida a cultivar o hábito de pensar sempre sobre o que estamos fazendo. Devemos fazer precisamente o oposto. A civilização avança justamente ao estender o número de operações que podemos efetuar sem que a respeito delas necessitemos pensar. Operações que envolvem pensamento são como cargas de cavalaria em uma batalha - elas são estritamente limitadas em número, requerem cavalos descansados, e devem ser montadas somente em momentos decisivos."

Alfred North Whitehead
(Em "Introduction to Mathematics", Holt 1911, pg 55)

domingo, 21 de agosto de 2011

Profissionais da experiência?

"(...) O doutor tem experiência. É um profissional da experiência: os médicos, os padres, os magistrados e os oficiais conhecem os seres humanos como se os tivessem feito.  (...) Como gostaria de lhe dizer que o enganam, que ele faz o jogo dos importantes. Profissionais da experiência? Arrastaram suas vidas num torpor, meio adormecidos, se casaram precipitadamente, por impaciência, e fizeram filhos ao acaso. Encontraram os outros homens nos cafés, nos casamentos, nos enterros. De quando em quando, apanhados num rodamoinho, se debateram sem compreender o que lhes acontecia. Tudo que ocorreu à sua volta começou e terminou fora de sua vista; longas formas obscuras, acontecimentos que vinham de longe roçaram-nos rapidamente e, quando eles quiseram olhar, tudo já terminara. E depois, por volta dos quarenta anos, batizam suas pequenas obstinações e alguns provérbios com o nome de experiência, começam a se fazer de distribuidores automáticos: dois níqueis na fenda da esquerda e eis que saem anedotas embrulhadas em papel prateado; dois níqueis na fenda da direita e recebem-se preciosos conselhos que grudam nos dentes como caramelos pegajosos."

Jean-Paul Sartre
(Em "A Náusea", trad. Rita Braga, Nova Fronteira, RJ, pg 106)

sábado, 20 de agosto de 2011

Depois de curar a ânsia do saber...

"Não penso em alegrias, já to disse.
Entrego-me ao delírio, ao mais cruciante gozo,
Ao fértil dissabor como ao ódio amoroso.
Meu peito, da ânsia do saber curado,
A dor nenhuma fugirá do mundo,
E o que a toda a humanidade é doado,
Quero gozar no próprio Eu, a fundo,
Com a alma lhe colher o vil e o mais perfeito,
Juntar-lhe a dor e o bem-estar no peito,
E, destarte, ao seu Ser ampliar meu próprio Ser,
E, com ela, afinal, também eu perecer."


JW Goethe
(“Fausto”, trad. do alemão por Jenny Klabin Segail, editora 34, 2010, pg 175 - “Quarto de Trabalho”)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O significado da pergunta

"Perguntava a si mesmo qual era o seu dever, mas quando se começa a questionar isso (dizia Baudolino) já é um sinal de que não há dever que nos motiva."

Umberto Eco
(Em "Baudolino", Record 2001, pg 246)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Opostos

"Uma porta não é uma porta se não tem um palácio ao seu redor... Um vazio sem um cheio que o circunde não é sequer um buraco."

Umberto Eco
(Em "Baudolino", Record 2001, pg 102)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O horror das mulheres

"Embora as mulheres se queixem tanto de serem mal-amadas e incompreendidas pelos homens, ainda assim, gostam muito pouco daqueles cujas almas têm certas qualidades femininas. Toda a sua superioridade consiste em fazer os homens acreditarem que são inferiores a elas na capacidade de amar; abandonam assim sem grande hesitação um amante jovem, quando ele é inexperiente o bastante para querer privá-las dos temores com que gostam de se enfeitar, esses deliciosos tormentos dos ciúmes falsos, esses torvelinhos da esperança enganada, as esperas vãs, enfim, todo o cortejo de desventuras femininas tão bem cultivadas; elas tem horror aos homens virtuosos."

Honoré de Balzac
(Em "Ferragus", trad. William Lagos, L&PM, 2006, pg 43)

sábado, 13 de agosto de 2011

Tempo que amolece

"As mãos formam manchas brancas sobre o pano, parecem poeirentas e inchadas. Continuam a cair outras cartas, as mãos vão e vêm. Que ocupação estranha: não parece um jogo, nem um rito, nem um hábito. Acho que fazem isso simplesmente para encher o tempo. Mas o tempo é muito longo, não se deixa encher. Tudo o que mergulha nele amolece e se estira. Por exemplo, esse gesto da mão vermelha que recolhe as cartas vacilando: é inteiramente frouxo. Seria preciso descosê-lo e cortar por dentro para reduzi-lo."

Jean-Paul Sartre
(Em "A Náusea", trad. Rita Braga, Nova Fronteira, RJ, pg 41)

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O narrador solitário

"Quando se vive sozinho, já nem mesmo se sabe o que é narrar: a verossimilhança desaparece junto com os amigos."

Jean-Paul Sartre
(Em "A Náusea", trad. Rita Braga, Nova Fronteira, RJ, pg 22)

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Lições de Urtiga

"Um dia contemplava uma porção de gente ocupada em arrancar urtiga de um campo, olhou para o montão de plantas, já arrancadas e secas e disse: -Então inutilizadas. Não obstante seriam aproveitáveis se soubessem servir-se delas. Quando a urtiga é nova, a sua folha é um legume excelente; depois de velha, tem filamentos e fibras como o cânhamo, o linho. O tecido de urtiga vale bem o de linho. Migada a urtiga, é excelente para a criação; moída é boa para o gado vacum. A baga da urtiga misturada com a forragem torna lustroso o pêlo dos animais; a raiz misturada com sal, produz exclente cor amarelada. No fim de tudo é muito bom feno, e que pode ceifar-se duas vezes. E o que exige a urtiga? Pouca terra, nenhum cuidado, e menos cultura ainda. Com algum trabalho tornar-se-ia útil a urtiga; despezam-na, torna-se nociva, e então destroem-na. Quantos homens se assemelham à urtiga! E depois de um certo silêncio acrescentou: Meus amigos, não se esqueçam nunca de que não há más plantas, nem maus homens. O que há são maus cultivadores."

Victor Hugo
(Em "Os Miseráveis", trad. Carlos Heitor Cony, Ediouro Clássicos de Bolso, pg 95)

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Tarde demais

"Onde li que neste momento final, quando a vida, superfície sobre superfície, incrustou-se de experiência, sabes tudo, o segredo, o poder e a glória, por que nasceste, por que estás morrendo, e como tudo poderia ter sido diverso?  És sábio. Mas a maior sabedoria, naquele momento, é saber que tudo soubeste demasiadamente tarde. Compreende-se tudo quando de nada mais serve compreender."

Umberto Eco
(Traduzido livremente de "Il Pendolo di Foucault", Bompiani 2006, pg. 678)

sábado, 6 de agosto de 2011

Entre as percentagens

"Somos finos como papel. Existimos por acaso entre as percentagens, temporariamente. E esta é a melhor e a pior parte, o fator temporal. E não há nada que se possa fazer sobre isso. Você pode sentar no topo de uma montanha e meditar por décadas e nada vai mudar. Você pode mudar a si mesmo para ser aceitável, mas talvez isso também esteja errado. Talvez simplesmente pensemos demais."

Charles Bukowski
(Em "O Capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio", trad. Bettina Becker, L&PM 1999, pg 82)

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Falácia da terceira idade

" - É o corpo que está velho. Por vezes temo quebrar um dedo assim como se quebra um graveto. Mas o espírito não envelheceu nem está tão mais sábio. 
- Você é sábio.
- Não, esta é uma grande falácia; a sabedoria dos velhos... Eles não envelhecem mais sábios. Eles só envelhecem mais cuidadosos."

Ernest Hemingway
(Traduzido livremente de "A Farewell to Arms", Scribner 2003, pg 261)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Sexo e Representação

"Ele se pergunta se as palavras não são um elemento essencial do sexo, se falar não é um modo mais sútil de tocar e se as imagens dançando nas nossas mentes não são tão importantes quanto os corpos que seguramos em nossos braços."


Paul Auster
(Traduzido livremente de "Invisible", Faber and Faber, 2009, pg 181)