sábado, 13 de agosto de 2011

Tempo que amolece

"As mãos formam manchas brancas sobre o pano, parecem poeirentas e inchadas. Continuam a cair outras cartas, as mãos vão e vêm. Que ocupação estranha: não parece um jogo, nem um rito, nem um hábito. Acho que fazem isso simplesmente para encher o tempo. Mas o tempo é muito longo, não se deixa encher. Tudo o que mergulha nele amolece e se estira. Por exemplo, esse gesto da mão vermelha que recolhe as cartas vacilando: é inteiramente frouxo. Seria preciso descosê-lo e cortar por dentro para reduzi-lo."

Jean-Paul Sartre
(Em "A Náusea", trad. Rita Braga, Nova Fronteira, RJ, pg 41)