terça-feira, 31 de maio de 2011

A frase mais triste do mundo: "Costumávamos reger-nos por ela"


"Diz-me a verdade! Lembras-te do que é? Costumávamos reger-nos por ela! Sabes o que a verdade tem de tão bom? Todos sabem o que é, por mais tempo que vivam sem ela. As pessoas não esquecem o que é a verdade, Frank. Apenas se tornam melhores a mentir."

Do filme "Revolutionary Road" de Sam Mendes (2008), baseado na obra de Richard Yates.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Narcisismo virtual

"Me incomoda essa tendência narcisística na mídia eletrônica. A internet supostamente ia nos levar a entender melhor as pessoas, mas estamos indo para o lado oposto. Estou preocupado com a perda do espaço público. Comunidades on-line não são o mesmo que comunidades." 

Jonathan Franzen
(Como citado na coluna de Luiz Caversan deste último sábado)

domingo, 29 de maio de 2011

Sobre a possibilidade da Ironia

"Já que as palavras não correspondem às coisas de modo exato, mas fazem um sistema semi-independente [o 'semi' é bem importante], haverá sempre um tipo de gap entre as descrições e a realidade, ou entre uma linguagem e a próxima. Por exemplo, é impossível traduzir a frase relativamente simples 'the pastoral function of the ministry' [a função pastoral do ministério] diretamente para o francês, pois a palavra francesa para 'ministro' é pasteur [pastor]. Como 'la fonction pastorale du pastorat' [a função pastoral do pastorado] simplesmente soa como uma tautologia, e perdeu o sentido que tinha em inglês, torna-se necessária uma paráfrase mais bem elaborada. (...) É precisamente a percepção deste gap inevitável entre palavras e significado, descrição e realidade, que torna a ironia não somente possível, mas quase inevitável nos escritos dos últimos 200 anos."

Stephen Prickett
(Traduzido livremente de "Narrative, Religion and Science", Cambridge 2004, pg 50-51)

sábado, 28 de maio de 2011

A Ironia de Sócrates


"Quanto mais Sócrates aprofundava-se na existência, mais profundamente e inevitavelmente cada uma de suas observações tinham que apontar para uma totalidade irônica, uma condição espiritual que era infinitamente invisível, indivisível. Xénofanes não percebeu este segredo. Deixe-me ilustrar o que quero dizer com uma pintura. Há esta obra que representa a tumba de Napoleão. Duas altas árvores cobrem a tumba. Não há nada mais para ser visto na obra, e um observador sem sofisticação não vê mais nada. Entre as árvores há um espaço vazio; quando o olho percorre esse espaço, de repente o próprio Napoleão emerge do nada, e agora é impossível perdê-lo novamente. Um vez que o olho viu-o, continuará a vê-lo quase com uma necessidade alarmante. Assim também é com a exultação socrática. Ouvem-se suas palavras do mesmo modo que as árvores são vistas na pintura; suas palavras significam o que elas dizem, assim como árvores são árvores. Não há nenhuma sílaba que dá qualquer dica de outra possível interpretação, assim como não há uma única linha que sugere a presença de Napoleão, e, mesmo assim, este espaço vazio, este nada, é o que esconde aquilo que é mais importante."

Soren Kierkegaard
(Traduzido livremente do inlgês como citado por Prickett em "Narrative, Religion and Science", Cambridge 2004, pg 43)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Um (velho) pensamento sobre os (novos) gurus (googles, facebooks...)

"Não quebra vontades, mas apenas as suaviza, deforma, direciona; raramente força alguém a agir, mas constantemente opõe-se à ação; não destrói o que é, mas previne de vir a ser; não tiraniza, esconde."

Alexis de Tocqueville
(motto do livro de Syra Vaidhyanathan, "The Googlization of Everything", sobre os impactos - positivos e negativos - do Google nas nossas vidas)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Bipolaridade Necessária II

"Para que você possa verdadeiramente sentir o prazer do calor corporal, alguma parte de você deve estar fria, pois não há qualidade neste mundo que não seja o que é simplesmente por contraste. Nada existe em si mesmo. Se você pensa que está totalmente confortável, e esteve assim por muito tempo, então o seu estado não pode mais ser dito confortável. Mas se a ponta do seu nariz ou o topo da sua cabeça está gelado, então sim você sentirá com verdadeiro prazer o calor e a proteção do resto do seu corpo. Por essa razão, um quarto de dormir nunca deveria ter uma lareira acesa, este é um dos luxuosos desconfortos dos ricos. Pois o preço do verdadeiro deleite é não ter nada além do cobertor entre você e seu conforto interior e o ar frio que lhe cerca. Assim, lá estará você, como a única centelha de calor no coração de um cristal de gelo."

Herman Melville
(Traduzido livremente de "Moby Dick", Kindle version, location 1282)

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Sobre como responder ao ceticismo

"De algo parecer que é, a mim ou a todos, não se segue que este algo de fato é aquilo que parece. O que podemos perguntar é se há algum sentido em disto duvidar.
(...)
Uma dúvida sobre a existência só funciona em um jogo de linguagem. Logo, o que deveríamos antes de tudo perguntar é: o que seria uma tal dúvida?, e não entenda isso assim tão diretamente."

Ludwig Wittgenstein
(Traduzido livremente dos parágrafos 2 e 24 de "On Certainty", edited by Anscombe and Wright, Blackwell 1969.)

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Bipolaridade Necessária

"Mas oh! companheiros! a estibordo de toda aflição, há encanto certo; e quanto mais alto o topo deste encanto, mais fundo é o leito desta aflição."

Herman Melville
(Traduzido livremente de "Moby Dick", Kindle version, location 1196)

domingo, 22 de maio de 2011

Moral e Riqueza

"Neste mundo, marujos, o pecado que compra seu caminho pode viajar livremente e sem passaporte; enquanto a virtude, se indigente, é parada em todas as fronteiras."

Herman Melville
(Traduzido livremente de "Moby Dick", Kindle version, location 1114)

sábado, 21 de maio de 2011

Minha sombra é minha substância

"Acho que cometemos um grande erro em tais assuntos de Vida e de Morte. Acho que o que chamam de minha sombra aqui na terra é minha verdadeira substância. Acho que ao olhar para as coisas espiritualmente, somos como ostras observando o sol através da água e pensando que a grossa camada de água é o mais fino ar. Acho que meu corpo não é mais do que os vestígios do meu melhor ser. Tome meu corpo, quem quiser, pegue-o, eu digo, ele não é o que sou. E, portanto, três vivas a Nantucket; que venha o barco rompido e o corpo rompido, quando os céus quiserem, pois romper minha alma, o próprio Deus não pode."

Herman Melville
(Traduzido livremente de "Moby Dick", Kindle version, location 982)

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Intenções de Revolta

"Aos olhos do revoltado, o que falta à dor do mundo, assim como aos seus instantes de felicidade, é um princípio de explicação. (...) Não é a revolta em si mesma que é nobre, mas o que ela exige, mesmo se o que ela obtém é ainda ignóbil."

Albert Camus
(Em "O Homem Revoltado", trad.Valerie Rumjanek, Record 2010, pg 125)

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Vale para todos os reinos

"Ninguém pode reinar inocentemente."

Saint-Jus
(Processo que culminou na execução de Luís XVI)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

O propósito absurdo de Deus

"Você imagina aquele pequeno ser, não compreendendo o que lhe acontece, no frio e na escuridão, batendo com seus pequeninos punhos no peito ofegante e derramando lágrimas inocentes chamando o 'bom Deus' em seu socorro? Compreende esse absurdo, ele tem um propósito, meu amigo e meu irmão, você o noviço piedoso? Dizem que tudo isso é indispensável para estabeleer a distinção entre o bem e o mal no espírito do homem. Para que pagar tão caro essa distinção diabólica?  Toda ciência do mundo não vale as lágrimas das crianças."

Fiódor Dostoiévski
(Em "Os Irmãos Karamazov", Ediouro 2002, vol II pg 255)

terça-feira, 17 de maio de 2011

Duplicidade genial

"Cada gênio é ao mesmo tempo estranho e banal. Ele nada será se for apenas um ou outro."

Albert Camus
(Em "O Homem Revoltado", trad. , Valerie Rumjanek, Record 2010, pg 111)

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Falsidade a priori

"Se a poesia da dúvida chega, assim, a um tal ponto de desespero melancólico e de maldade teórica, é por ser radicalmente falsa, simplesmente pelo motivo de que nela se discutem os princípios, e os princípios não devem ser discutidos"

Lautréamont
(Em carta a Darassé, como citado por Camus em "O Homem Revoltado", trad. Valerie Rumjanek, Record 2010, pg 109)

sábado, 14 de maio de 2011

Liberdade do Espírito

"Por ser um espírito livre, Nietzsche sabia que a liberdade do espírito não é um conforto, mas uma grandeza que se quer e obtém, uma vez ou outra, com uma luta extenuante. Ele sabia que, quando se quer ficar acima da lei, se corre o grande risco de se achar abaixo dessa lei. Compreendeu por isso que o espírito só encontrava a sua verdadeira emancipação na aceitação de novos deveres. O essencial de sua descoberta consiste em dizer que, se a lei eterna não é a liberdade, a ausência de lei o é ainda menos. Se nada é verdadeiro, se o mundo não tem regras, nada é proibido: para proibir uma ação, é efetivamente preciso que haja um valor e um objetivo. Ao mesmo tempo, nada é permitido: são igualmente necessários um valor e um objetivo para escolher outra ação. O predomínio absoluto da lei não é a liberdade, mas também não é a disponibilidade absoluta. O próprio caos também é uma servidão. Só há liberdade em um mundo onde o que é possível e o que não o é se acham simultaneamente definidos. Sem lei, não há liberdade. Se o destino não for orientado por um valor superior, se o acaso é o rei, eis a marcha para as trevas, a terrível liberdade dos cegos."

Albert Camus
(Em "O Homem Revoltado", trad. , Valerie Rumjanek, Record 2010, pg 92)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A desculpa de Deus

"A única desculpa de Deus é que ele não existe."

Stendhal
(Como citado por Camus em "O Homem Revoltado", trad. Valerie Rumjanek, Record 2010, pg 87)

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Inspiração escrava

"Uma outra ideia completamente falsa que, apesar disso, está na moda é a equivalência que se estabelece entre inspiração, exploração do subconsciente e liberação; entre acaso, automatismo e liberdade. Ora, esta inspiração que consiste em um obedecer cegamente a cada impulso é, na verdade, uma escravidão. O autor clássico que escreve sua tragédia observando um certo número de regras que ele conhece é mais livre que o poeta que escreve aquilo que lhe passa pela cabeça, sendo escravo de regras que ele ignora."

Raymond Queneau
(Traduzido livremente to italiano como citado por Calvino em "Lezioni Americane", Mondatori 2002, pg 134)

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A dúvida da bondade

"Pois somente os bons duvidam de sua bondade, que é justamente o que os fazem bons antes de mais nada. Os maus sabem que são bons, mas os bons não sabem nada. Eles passam suas vidas perdoando os outros, sem poder perdoar a si mesmos."

Paul Auster
(Traduzido livremente de "Man in the Dark", Picador 2008, pg 63)

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Gregos, Cristãos e a História da Revolta

"É que a revolta metafísica implica uma visão simplificada da criação, que os gregos não podiam ter. Para eles, não havia de um lado os deuses e do outro os homens, e sim degraus que levavam dos últimos aos primeiros. A idéia da inocência em contraposição à culpa, a visão de uma história inteira reduzida à luta entre o bem e o mal eram-lhes estranhas. Em seu universo, há mais erros do que crimes, sendo a desproporção o único crime definitio. No mundo totalmente histórico que o nosso ameaça ser não há mais erros, só há crimes, dos quais o primeiro é a ponderação. Assim se explica a curiosa mistura de ferocidade e de indulgência que se respira no mito grego. Os gregos jamais fizeram do pensamento, e isso nos degrada em relação a eles, uma praça forte. Afinal, a revolta só se imagina contra alguém. A noção do deus pessoal, criador e, portanto, responsável por todas as coisas dá por si só um sentido ao protesto humano. Pode-se dessa forma, e sem paradoxo, dizer que a história da revolta, no mundo ocidental, é inseparável da história do cristianismo."

Albert Camus
(Em "O Homem Revoltado", trad. , Valerie Rumjanek, Record 2010, pg 45)

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Esta noite sonhei com a solidão

"Havia sonhado o seguinte: tínhamos de ir, eu e várias pessoas, à casa de um senhor que nos convidara. Cheguei à casa, que de fora parecia igual a qualquer outra, e entrei. Ao entrar tive a certeza quase instantânea de que não era assim, de que era diferente das outras. O dono me disse:

- Estava esperando pelo senhor.

Intuí que acabara de cair numa cilada e tentei escapar. Fiz um enorme esforço, mas era tarde: meu corpo já não me obedecia. Resignei-me a presenciar o que ia acontecer, como se fosse um acontecimento alheio à minha pessoa. Aquele homem começou a transformar-me em pássaro, em um pássaro de tamanho humano. Começou pelos pés: vi como aos poucos viravam pés de galinha, ou algo parecido. Depois continuou a transformação de todo o corpo, para cima, como água subindo num tanque. Minha única esperança estava agora nos amigos, que inexplicavelmente não tinham chegado. Quando por fim chegaram, aconteceu algo que me horrorizou: não notaram minha transformação. Trataram-me como sempre, o que provava que me viam como sempre. Pensando que o mago os iludia para que me vissem como uma pessoa normal, decidi relatar o que ele me fizera. Embora meu propósito fosse relatar o fenômeno com calma, para não agravar a situação irritando o mago com uma reação demasiado violenta (o que poderia induzi-lo a fazer algo ainda pior), comecei a contar tudo aos gritos. Então observei dois fatos assombrosos: a frase que eu queria pronunciar saiu transformada em um áspero guincho de pássaro, um guincho desesperado e estranho, talvez pelo que encerrava de humano; e, o que era infinitamente pior, meus amigos não ouviram esse guincho, como não tinham visto meu corpo de grande pássaro; ao contrário, pareciam ouvir minha voz habitual dizendo coisas habituais, pois em nenhum momento demonstraram o menor assombro. Calei-me horrorizado. O dono da casa me olhou, então, com um brilho sarcástico nos olhos, quase imperceptível e em todo caso só notado por mim. Nesse momento compreendi que ninguém, nunca, saberia que eu fora transformado em pássaro. Estava perdido para sempre e levaria o segredo para o túmulo."

Ernesto Sabato
(Em "O Túnel", trad. Sérgio Molina, Cia Das Letras 2008, pg 89-90)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Por que a realidade há de ser simples?

"No tempo que eu tinha amigos, muitas vezes riram de minha mania de escolher sempre os caminhos mais tortuosos: Pergunto-me por que a realidade há de ser simples. A experiência me ensinou que, ao contrário, ela quase nunca é simples, e que quando algo parece extraordinariamente claro, uma ação que aparentemente obedece a uma causa simples, quase sempre há por baixo motivos mais complexos. Um exemplo corriqueiro: as pessoas que dão esmolas. Em geral, considera-se que são mais generosas e melhores do que as pessoas que não dão. Permito-me tratar com o maior desdém essa teoria simplista. Todo mundo sabe que não se resolve o problema de um mendigo (de um mendigo autêntico) com um peso ou um pedaço de pão: resolve-se apenas o problema psicológico do sujeito que compra assim, por quase nada, sua tranquilidade espiritual e seu título de generoso. Veja-se o quanto tais pessoas são mesquinhas, uma vez que não se decidem a gastar mais do que um peso por dia para garantir sua tranquilidade espiritual e a idéia reconfortante e vaidosa de sua bondade. Muito mais pureza de espírito e muito mais valor se requer para suportar a existência da miséria humana sem essa hipócrita (e usurária) operação!"

Ernesto Sabato
(Em "O Túnel", trad. Sérgio Molina, Cia Das Letras 2008, pg 55)

terça-feira, 3 de maio de 2011

Vaidade da Modéstia

"Da vaidade não digo nada: creio que ninguém está desprovido desse notável motor do Progresso Humano. Fazem-me rir esses senhores que falam da modéstia de Einstein ou de gente da laia; resposta: é fácil ser modesto quando se é célebre; quer dizer, parecer modesto. Mesmo quando se imagina que ela não existe em absoluto, surge de repente em sua forma mais sutil: a vaidade da modéstia."

Ernesto Sabato
(Em "O Túnel", trad. Sérgio Molina, Cia Das Letras 2008, pg 9)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Coutinho e a Felicidade

"Felicidade: haverá tema mais infeliz? É o único conselho: não vale a pena seguir conselhos. Livros de auto-ajuda são livros de anti-ajuda. Transformam a felicidade em direito e, coisa pior, em dever. Conheço casos: gente que começou infeliz lendo um desses manuais e, no final da odisseia, estava mais infeliz ainda. 

Se assim é para os indivíduos, o cenário piora para as nações. Falar de um "país feliz" é tão absurdo como falar de um "hipopótamo voador". Os países não são pessoas. Mas os políticos tentam. Leio regularmente que, por toda a Europa, filósofos, psicólogos e economistas estudam medidas públicas destinadas a elevar a felicidade da população. Alguns especialistas falam mesmo em "Felicidade Interna Bruta" como mais importante que "Produto Interno Bruto" para medir a riqueza de um país. 

E, nos Estados Unidos, conta o "The New York Times" que o Censo de Boston começou a perguntar aos habitantes quão felizes eles se sentiam. A ideia do poder político é reunir respostas, fazer gráficos rigorosos sobre os humores da população - e depois aplicar medidas para tornar o pessoal mais alegre. Sem ser através de químicos no ar ou na água. 

Aviso já: nada disso funciona. E não funciona porque a felicidade não existe - no coletivo. Existem felicidades particulares, individuais, muitas vezes intransmissíveis, que não podem ser reduzidas a um denominador comum. Eu sou feliz quando toco bandolim. O meu vizinho é infeliz quando me ouve a tocar bandolim. Caso encerrado. 

As pessoas não são números. São pessoas: distintas, irrepetíveis. Muitas vezes insondáveis e insolúveis. E aquilo que as torna felizes, ou infelizes, varia de caso para caso --e, mais ainda, de momento para momento. De nada vale eu responder ao Censo que me sinto feliz hoje quando, ainda ontem, eu estava infeliz da vida.

Mas a felicidade não é apenas um conceito deslocado para pensarmos politicamente; é sobretudo perigoso. A ideia 'utilitarista' de que o governo deve perseguir sempre 'a maior felicidade para o maior número', apesar do seu agradável apelo democrático, pode legitimar situações intrinsecamente desumanas ou imorais. 

Se, por hipótese remota, uma comunidade se sente feliz perseguindo judeus, ou negros, ou mulheres, ou homossexuais, ou anões, que podem os "utilitaristas" responder a esse conjunto de preferências coletivas? Acreditar que a vida moral é uma mera questão quantitativa abrirá sempre portas para horrores mil.

O Estado quer "promover" a felicidade? Muito simples: basta que se retire das vidas individuais sem exercer sobre elas qualquer poder paternal, autoritário, totalitário.

Quando um Estado pergunta 'quão feliz você se sente?', só é possível responder a isso com uma nova pergunta: 'E o que você tem a ver com o assunto?' '"

João Pereira Coutinho
(Em sua coluna desta segunda-feira na Folha de São Paulo)

domingo, 1 de maio de 2011

O Significado do Profundo

"Como as grandes obras, os sentimentos profundos significam sempre mais do que têm consciência de dizer"

Albert Camus
(Em "O Mito de Sísifo", trad. Ari Roitman e Paulina Watch, Record 2008, pg 25)