sábado, 28 de maio de 2011

A Ironia de Sócrates


"Quanto mais Sócrates aprofundava-se na existência, mais profundamente e inevitavelmente cada uma de suas observações tinham que apontar para uma totalidade irônica, uma condição espiritual que era infinitamente invisível, indivisível. Xénofanes não percebeu este segredo. Deixe-me ilustrar o que quero dizer com uma pintura. Há esta obra que representa a tumba de Napoleão. Duas altas árvores cobrem a tumba. Não há nada mais para ser visto na obra, e um observador sem sofisticação não vê mais nada. Entre as árvores há um espaço vazio; quando o olho percorre esse espaço, de repente o próprio Napoleão emerge do nada, e agora é impossível perdê-lo novamente. Um vez que o olho viu-o, continuará a vê-lo quase com uma necessidade alarmante. Assim também é com a exultação socrática. Ouvem-se suas palavras do mesmo modo que as árvores são vistas na pintura; suas palavras significam o que elas dizem, assim como árvores são árvores. Não há nenhuma sílaba que dá qualquer dica de outra possível interpretação, assim como não há uma única linha que sugere a presença de Napoleão, e, mesmo assim, este espaço vazio, este nada, é o que esconde aquilo que é mais importante."

Soren Kierkegaard
(Traduzido livremente do inlgês como citado por Prickett em "Narrative, Religion and Science", Cambridge 2004, pg 43)