segunda-feira, 9 de maio de 2011

Gregos, Cristãos e a História da Revolta

"É que a revolta metafísica implica uma visão simplificada da criação, que os gregos não podiam ter. Para eles, não havia de um lado os deuses e do outro os homens, e sim degraus que levavam dos últimos aos primeiros. A idéia da inocência em contraposição à culpa, a visão de uma história inteira reduzida à luta entre o bem e o mal eram-lhes estranhas. Em seu universo, há mais erros do que crimes, sendo a desproporção o único crime definitio. No mundo totalmente histórico que o nosso ameaça ser não há mais erros, só há crimes, dos quais o primeiro é a ponderação. Assim se explica a curiosa mistura de ferocidade e de indulgência que se respira no mito grego. Os gregos jamais fizeram do pensamento, e isso nos degrada em relação a eles, uma praça forte. Afinal, a revolta só se imagina contra alguém. A noção do deus pessoal, criador e, portanto, responsável por todas as coisas dá por si só um sentido ao protesto humano. Pode-se dessa forma, e sem paradoxo, dizer que a história da revolta, no mundo ocidental, é inseparável da história do cristianismo."

Albert Camus
(Em "O Homem Revoltado", trad. , Valerie Rumjanek, Record 2010, pg 45)