quinta-feira, 5 de maio de 2011

Esta noite sonhei com a solidão

"Havia sonhado o seguinte: tínhamos de ir, eu e várias pessoas, à casa de um senhor que nos convidara. Cheguei à casa, que de fora parecia igual a qualquer outra, e entrei. Ao entrar tive a certeza quase instantânea de que não era assim, de que era diferente das outras. O dono me disse:

- Estava esperando pelo senhor.

Intuí que acabara de cair numa cilada e tentei escapar. Fiz um enorme esforço, mas era tarde: meu corpo já não me obedecia. Resignei-me a presenciar o que ia acontecer, como se fosse um acontecimento alheio à minha pessoa. Aquele homem começou a transformar-me em pássaro, em um pássaro de tamanho humano. Começou pelos pés: vi como aos poucos viravam pés de galinha, ou algo parecido. Depois continuou a transformação de todo o corpo, para cima, como água subindo num tanque. Minha única esperança estava agora nos amigos, que inexplicavelmente não tinham chegado. Quando por fim chegaram, aconteceu algo que me horrorizou: não notaram minha transformação. Trataram-me como sempre, o que provava que me viam como sempre. Pensando que o mago os iludia para que me vissem como uma pessoa normal, decidi relatar o que ele me fizera. Embora meu propósito fosse relatar o fenômeno com calma, para não agravar a situação irritando o mago com uma reação demasiado violenta (o que poderia induzi-lo a fazer algo ainda pior), comecei a contar tudo aos gritos. Então observei dois fatos assombrosos: a frase que eu queria pronunciar saiu transformada em um áspero guincho de pássaro, um guincho desesperado e estranho, talvez pelo que encerrava de humano; e, o que era infinitamente pior, meus amigos não ouviram esse guincho, como não tinham visto meu corpo de grande pássaro; ao contrário, pareciam ouvir minha voz habitual dizendo coisas habituais, pois em nenhum momento demonstraram o menor assombro. Calei-me horrorizado. O dono da casa me olhou, então, com um brilho sarcástico nos olhos, quase imperceptível e em todo caso só notado por mim. Nesse momento compreendi que ninguém, nunca, saberia que eu fora transformado em pássaro. Estava perdido para sempre e levaria o segredo para o túmulo."

Ernesto Sabato
(Em "O Túnel", trad. Sérgio Molina, Cia Das Letras 2008, pg 89-90)