sábado, 31 de março de 2012

Nosso próprio lodo

"Os maus livros são um veneno intelectual que destrói o espírito. E como a maioria das pessoas, ao invés de ler o melhor que se produziu nas diferentes épocas, limita suas leituras às últimas novidades, os escritores reduzem-se ao estreito círculo das ideias em circulação e o público se afunda cada vez mais profundamente em seu próprio lodo."

Arthur Schopenhauer
(Traduzido livremente de como citado por Enrique Vila-Matas em "Bartebly y compañia", Anagrama 2000, nota 70)

[pois afundamo-nos tanto que dos maus livros - quiçá a eles voltássemos! - acabamos por (des)cultivar o espírito no twitter...]

sexta-feira, 30 de março de 2012

Antonioni's "L'Eclipse"





"Everything comes and goes,
marked by lovers and styles of clothes.
Things that you held high
and told yourself were true
are lost or changing as the days
 come down to you."
Joni Mitchell ("Down to You")


quinta-feira, 29 de março de 2012

Joyce e Beckett

"Richard Ellman, em sua biografia de Joyce, descreve essa cena que parece saída do teatro da negação:'Joyce tinha então cinquenta e oito anos e Beckett, vinte e seis. Beckett era adepto do silêncio, assim como Joyce; travavam conversas que consistiam somente em um intercâmbio de silêncios, ambos impregnados de tristeza: Beckett em grande parte pelo mundo, Joyce em grande parte por si mesmo. Joyce estava sentado com sua postura habitual, as pernas cruzadas, o pé da perna de cima sobre a canela da perna de baixo; Beckett, também alto e magro, adotava a mesma postura. Joyce subitamente perguntou algo parecido a isto:
- Como pôde o idealista Hume escrever uma história?
Beckett respondeu:
- Uma história das representações.' "

Traduzido livremente de "Bartebly y compañia", Enrique Vila-Matas, Anagrama 2000, nota 49.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Contra-argumento ontológico

"Sou tímido com as mulheres, logo Deus não existe"

Giacomo Leopardi
(Traduzido livremente de como citado por Enrique Vila-Matas em "Bartebly y compañia", Anagrama 2000, nota 33)

terça-feira, 27 de março de 2012

Poeta ou poema?

"Quiçá tivesse eu que dizer mais sobre isso, sobre o não-escrever. Muita gente pergunta-me, eu me pergunto. E, ao perguntar-me por que não escrevo, inevitavelmente desemboco em outra inquisição muito mais desconcertante: por que escrevi? Ao fim e ao cabo o normal mesmo é ler. Mas minhas respostas favoritas são duas. Uma, que minha poesia consistiu - sem que eu soubesse - em uma tentativa de inventar-me uma identidade; já inventada e assumida, não me ocorre mais aquele desejo de me entregar totalmente em cada poema, e isto era o que me apaixonava. Outra, que tudo foi um equívoco: acreditei que queria ser poeta, mas no fundo queria ser poema. E em parte, má parte, consegui; como qualquer poema medianamente bem feito, agora falta-me a liberdade interior, sou todo necessidade e submissão interna a este tirano atormentado, este Big Brother insone, onisciente e onipresente: Eu. Metade Caliban, metade Narciso, temo-o acima de tudo quando o escuto a me interrogar em uma varanda aberta: 'Que faz um rapaz de 1950 como tu em um ano indiferente como este?' All the rest is silence."

Jaime Gil de Biedma y Alba
(Traduzido livremente de como citado por Enrique Vila-Matas em "Bartebly y compañia", Anagrama 2000, nota 13)

segunda-feira, 26 de março de 2012

Prudência

"A prudência é uma rica, feia e velha senhora, cortejada pela incapacidade."

William Blake
(Traduzido livremente de "The Marriage of Heaven and Hell", em "Works of William Blake", Kindle edition, Kindle location: 1545) 

domingo, 25 de março de 2012

A importante bagagem dos desclassificados

"O que talvez seja preciso lembrar, para concluir esta visão da relação atual da literatura com a sociedade, é isto: a literatura não é mais apoiada pelas classes ricas. Quem apoia a literatura? Vocês, eu, isto é, as pessoas desprovidas de rendas: retirados da "burguesia" (se é que ela ainda existe) pela ausência de qualquer poder econômico, mas não integrados na pequena burguesia, nova classe que busca poder, porque sua ética, sua estética não nos bastam e suscitam em nós um olhar crítico. Ou seja, a literatura: sustentada por uma clientela de desclassificados; somos exilados sociais e levamos a literatura em nossa minguada bagagem."

Roland Barthes
(Em "A Preparação do Romance", vol II, trad. Leyla Perrone Moysés, Martins Fontes 2005, pg 327)

sábado, 24 de março de 2012

Por favor, esqueçam



"Estou entre aqueles que abusam do sexo, pois o indivíduo não conta.

Entre aqueles que bebem para lutar contra o abismo do cérebro, contra os festivos desfiles de falsidades, contra o silêncio a martelar nas têmporas.

Entre aqueles que, os pobres e os velhos, competem contra a morte, a bomba atômica hodierna.

Entre aqueles, abúlicos, em asilos, sob tratamentos de choque a perpassar a catarata dos nervos.

Entre os africanos negros, destituídos.

Entre os que matam, pois a cada morte reconfirma-se a mentira que é a vida.

E por favor, esqueçam-se da justiça, pois ela não existe, da fraternidade, pois é uma fraude, do amor, pois ele não tem direitos."

Ingrid Jonker
(Como citado no filme "Black Butterflies" de Paula van der Oest, 2011)

sexta-feira, 23 de março de 2012

O conhecimento da medida

"Você nunca sabe o que é suficiente sem conhecer o que é mais que suficiente."
 ("You never know what is enough unless you know what is more than enough")

William Blake
(Traduzido livremente de "The Marriage of Heaven and Hell", em "Works of William Blake", Kindle edition, Kindle location: 1563)

quinta-feira, 22 de março de 2012

Solidão criativa

"Durante dois dias e meio, fiquei sozinho - não absolutamente, é verdade - e já estou, se não transformado, pelo menos em vias de o ser. A solidão tem sobre mim um poder que nunca deixa de agir. Meu ser interior se descerra (por enquanto, apenas na superfície) e fica pronto para deixar sair as coisas mais profundas. Uma ordem começa a estabelecer-se de modo miúdo no interior de mim mesmo, e nada me é mais necessário, pois estar em desordem quando se é dotado de pequenos talentos é certamente o que há de pior."

Franz Kafka
(Em "Journals",  citado por Barthes em "A preparação do Romance - vol II", Martins Fontes 2005, pg 236)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Em conserva

"Parece-me sempre sinistro ouvir dizer de um 'velho', com admiração, que ele está conservado, que ele continua a fazer o que fazia (por exemplo, jogar tênis, fazer seu passeio, ou o amor, como Victor Hugo); continuar não é um ato de vitalidade; o que a velhice requer, quando pode, é precisamente uma ruptura, um começo, uma vida nova".

Roland Barthes
(Em "A Preparação do Romance", vol II, trad. Leyla Perrone Moysés, Martins Fontes 2005, pg 181)

terça-feira, 20 de março de 2012

Um conselho de escritor (para escritor)

"No combate entre tu e o mundo, privilegia o mundo."

Franz Kafka
(Em "Aphorismes", citado por Barthes, "A preparação do romance - vol II", Martins Fontes 2005, pg 161)

segunda-feira, 19 de março de 2012

O livro e o machado

"Seríamos igualmente felizes se não tivéssemos livros e, quanto aos livros que nos fazem felizes, poderíamos escrevê-los nós mesmos. Em compensação temos necessidade de livros que agem sobre nós como uma infelicidade que nos faz sofrer muito, como a morte de alguém que amássemos mais do que a nós mesmos, como se fôssemos proscritos, condenados a viver em florestas, longe de todos os homens, como um suicídio - um livro deve ser o machado que quebra o mar de gelo em nós"

Franz Kafka
(Fragmento de carta a Oscar Pollak, tradução Leyla Perrone Moysés, citado por Barthes em "A Preparação do Romance vol II", Martins Fontes 2005, pg 114)

quinta-feira, 15 de março de 2012

São cósmicos...

“No início da minha carreira, eu tinha muita raiva social. Eu só queria contar quanto a sociedade é ferrada. Isso foi o começo. Depois, comecei a entender que os problemas não eram apenas sociais, eram mais profundos. Achei inicialmente que eram apenas ontológicos. É tão, tão complicado, e quando entendi mais e mais, quando me aproximei das pessoas... até que consegui entender que os problemas não eram apenas ontológicos. Eram cósmicos. O mundo todo está ferrado, acabou. Isso é que tive de entender e é por isso que o estilo dos meus filmes mudou. Assim, quando desci, continuei descendo. O estilo se tornou cada vez mais depressivo e acabou se tornando mais simples, muito puro. É isso que me interessa: descobrir alguma coisa passo a passo."

Béla Tarr
(Traduzido livremente de sua entrevista ao site Indiewire)

quarta-feira, 14 de março de 2012

A verdade está na diferença

"E aqui encontramos Bashô, o poeta dos haicais - mas não sei se é um haicai ou uma observação: 'Por mais que você contemple todas as coisas, nada é semelhante à lua crescente'; a verdade está na diferença, não na redução. Não pode haver verdade geral."

Roland Barthes
(Em "A Preparação do Romance", vol I, trad. Leyla Perrone Moysés, Martins Fontes 2005, pg 168)

terça-feira, 13 de março de 2012

Azedume ideológico

"O religioso não é em si ideológico, mas ele vira muito depressa - como o leite azeda."

Roland Barthes
(Em "A Preparação do Romance", vol I, trad. Leyla Perrone Moysés, Martins Fontes 2005, pg 139)

segunda-feira, 12 de março de 2012

Análise e arte

"Eu invisto contra a abstração nestas obras chamadas de romances. Considere como Jack Nicholson, fazendo o papel de um excêntrico solteirão em um filme, olha para Helen Hunt. Nós vemos sua face na tela; ele levanta uma das sobrancelhas; seus lábios curvam-se. Imagine agora que a tela de repente torna-se branca e a palavra "ironicamente" aparece, ou "sarcasmo", ou "desprezo". Como você reagiria? Pode-se imaginar: com grande desconforto. Pois para os leitores que sabem como ler, a presença de abstração, generalização, análise ou interpretação na literatura têm o mesmo efeito deletério."

Robert Olen Butler
(Traduzido livremente de "From where you dream", e-book formato EPUB, posição 98.8)

domingo, 11 de março de 2012

Politicamente correto, puta que pariu!

"Com os dicionários expurgados, não mais compreenderemos livros escritos antes desta era. É um preço pequeno a pagar, para nos livrarmos de uma herança maldita e tornar nossa língua própria para os anjos que em breve seremos. Aguardo agora normas sobre as artes. As artes deverão ser obrigadas à imparcialidade e a conceder espaço igual a todos. Assim, se o vilão de um romance for católico e o mocinho evangélico, será exigida, concomitantemente, uma versão com os papéis invertidos. Se um samba falar que "minha nega me traiu", vai ter que haver outra versão, com a mesma melodia, cantando "minha loura me chifrou". E por aí vamos, ainda chegamos ao primeiro mundo."

João Ubaldo Ribeiro
(Da sua coluna de domingo no Estadão)

sábado, 10 de março de 2012

Arte e coragem

"Ser um artista significa nunca desviar o olhar."

Akira Kurosawa
(Traduzido livremente de citação por Robert Olen Butler em "From where you dream")

quinta-feira, 8 de março de 2012

Ferrado

"Às vezes acontecem coisas na vida que deixam todos em silêncio. Tão silenciosos que ninguém se atreve a falar sobre isso. A ninguém. Nem para si mesmo. Nada no pensamento, nada em voz alta, nem uma só palavra. Porque tudo persiste. Nas profundezas dos campos, ano após ano. Mas de repente, tudo volta. Assim, de um dia para outro. Pode ter sido há muito tempo. Alguém sempre trará de volta. Não importa o que você faça, nem o que você pense, uma coisa você pode ter certeza: você estará sempre ferrado. Agora, amanhã, na próxima semana, no próximo ano, até o fim dos tempos. Ferrado."



Do filme "Rundskop" ("Bullhead") de Michael R. Roskam, 2011.

quarta-feira, 7 de março de 2012

O combate entre o impossível e o possível

"A lei oculta da terra a conserva na moderação, que se contenta com o nascimento e a morte de todas as coisas, no círculo determinado do possível, com o qual cada uma se conforma e que nehuma conhece. A bétula nunca ultrapassa a linha de seu possível. Somente a vontade, de todos os lados, instalando-se na técnica, sacode a terra e a obriga a grandes fadigas, no desgaste e nas variações do artificial. Ela força a terra a sair do círculo de seu possível, que se desenvolveu em volta dela, e ela o empurra para aquilo que não é mais o possível, e que é, pois, o impossível."

Martin Heidegger
(Traduzido por Leyla Perrone-Moisés a partir da edição francesa "Essais et conférences", Gallimard 1980, pg 113)

segunda-feira, 5 de março de 2012

Escrever

"Que ofício fodido! Que droga de mania! Abençoemos, porém, esse caro tormento. Sem ele, seria preciso morrer. A vida só é tolerável com a condição de nunca estarmos nela."

Gustave Flaubert
(Em carta a Louise Colet de 6 de março de 1853. Traduzido por Leyla Perrone-Moisés a partir de "Préface à la vie d'écrivain", Seuil 1963, pg 104)

domingo, 4 de março de 2012

Problema kierkegaardiano

"Kierkegaard enfrenta o seguinte problema: ou gozar do ser de modo estético, ou viver o ser de modo moral. Mas parece-me que essa é uma maneira errada de colocar a questão. Esse 'ou, ou' só existe na cabeça de Soren Kierkegaard. Na realidade só se alcança um gozo estético do ser através de uma experiência moral e humilde."

Franz Kafka
(Em conversa com Gustav Janouch: traduzido por Leyla Perrones-Moisés de "Conversations avec Kafka", editora Maurice Nadeau 1978, pg 106)

sexta-feira, 2 de março de 2012

O que não se pode tolerar

"Trata-se de um princípio geral: o que não se deve suportar é o recalque do sujeito. Pertenço a uma geração que sofreu demais com a censura do sujeito: quer pela via positivista (objetividade requerida na história literária, triunfo da filologia), quer pela via marxista (muito importante, mesmo se isso não aparece mais em minha vida). Pois mais valem os logros da subjetividade do que as imposturas da objetividade. Mais vale o imaginário do sujeito do que sua censura."

Roland Barthes
(Em "A Preparação do Romance", vol I, trad. Leyla Perrone Moysés, Martins Fontes 2005, pg 4)