terça-feira, 27 de março de 2012

Poeta ou poema?

"Quiçá tivesse eu que dizer mais sobre isso, sobre o não-escrever. Muita gente pergunta-me, eu me pergunto. E, ao perguntar-me por que não escrevo, inevitavelmente desemboco em outra inquisição muito mais desconcertante: por que escrevi? Ao fim e ao cabo o normal mesmo é ler. Mas minhas respostas favoritas são duas. Uma, que minha poesia consistiu - sem que eu soubesse - em uma tentativa de inventar-me uma identidade; já inventada e assumida, não me ocorre mais aquele desejo de me entregar totalmente em cada poema, e isto era o que me apaixonava. Outra, que tudo foi um equívoco: acreditei que queria ser poeta, mas no fundo queria ser poema. E em parte, má parte, consegui; como qualquer poema medianamente bem feito, agora falta-me a liberdade interior, sou todo necessidade e submissão interna a este tirano atormentado, este Big Brother insone, onisciente e onipresente: Eu. Metade Caliban, metade Narciso, temo-o acima de tudo quando o escuto a me interrogar em uma varanda aberta: 'Que faz um rapaz de 1950 como tu em um ano indiferente como este?' All the rest is silence."

Jaime Gil de Biedma y Alba
(Traduzido livremente de como citado por Enrique Vila-Matas em "Bartebly y compañia", Anagrama 2000, nota 13)