terça-feira, 21 de junho de 2011

Felicidade x Virtude

"Podemos observar que mesmo aqueles que afirmam as virtudes como fonte do bem, quase invariavalmente também afirmam visões contrárias a esta tese, e isso principalmente devido a um fracasso na análise do significado dos conceitos éticos. A instância mais destacada de tal inconsistência é encontrada na concepção Cristã de Virtude, pensada esta como um bem maior, e que pode, porém, ser recompensada por outra coisa que não ela mesma. O Reino dos Céus é normalmente considerado como a recompensa da Virtude; e é também dito que para ser considerado como uma recompensa ele deve conter um determinado elemento, chamado de Felicidade, que é certamente não idêntico ao mero exercício das virtudes das quais é a recompensa. Mas se é assim, então alguma coisa que não é Virtude pode ser boa em si mesma ou ao menos possuir mais valor intrínseco que a Virtude. Não se faz a ressalva de que se uma coisa é de fato recompensa de algo, ela deve ser boa em si mesma: é absurdo falar em uma recompensa que tem menos valor do que aquilo que o recompensado já obteve com sua ação. Então a visão de Kant que a Virtude nos rende "merecedores" da felicidade é em flagrante contradição com a visão de que uma Boa Vontade é a única coisa que possui valor intrínseco. Tal "merecer" não nos autoriza, é verdade, a acusar Kant - como tanto já se fez - de ser um Hedonista: pois o merecimento da felicidade não implica que a felicidade é o único bem que há. Isto porém certamente implica que a Boa Vontade não é o único bem: um estado de coisas no qual somos tanto virtuosos quanto felizes é melhor em si mesmo que um estado em que a felicidade está ausente."

G. E. Moore 
(Traduzido livremente de "Principia Ethica", par. 105, 1903)