segunda-feira, 15 de abril de 2013

Para se aprender que fogo queima

"Houve época em que a idade era tida como qualidade, mas, de uns tempos para cá, caiu em descrédito. Nos anos 1960, tornou-se comum dizer-se que não se devia confiar em ninguém que tivesse mais de 30 anos. Descobriu-se, então, que ser jovem era o único valor real e que a chamada sabedoria dos mais velhos era simples balela. Os que diziam isso, naquela época, hoje têm mais de 50 anos e não sei se continuam a afirmar a mesma coisa ou se ensinam a seus filhos o que aprenderam com a idade.Por exemplo, que o consumo de drogas, a que se entregavam entusiasticamente naquela época, levou muitos amigos seus à loucura ou à morte precoce. Mas, se o fizerem, correm o risco de ouvir deles que não confiam em ninguém que tenha mais de 30 anos de idade, pois foi o que aprenderam com os próprios pais. De fato, aos 20 anos, a gente não sabe muito da vida. Tampouco os mais velhos sabem tudo. Se aquela frase irreverente expressava a necessidade de uma geração de romper com os valores estabelecidos e entregar-se ao desvario beatnik, há que levar em conta que cabe aos jovens inventar a própria vida e, para isso, têm que, às vezes, não ouvir os conselhos dos pais. É que nem sempre a sabedoria dos mais velhos ajuda os mais jovens. E mais que isso, o jovem quer errar, precisa errar, porque é errando que se aprende. Não adianta a mãe advertir o filhinho de não tocar o dedo na chama da vela, pois fogo queima. Ele só acreditará depois de queimar o dedo."

Ferreira Gullar
(em sua coluna no Estadão de ontem)