terça-feira, 9 de abril de 2013

Um sopro de idealismo ao nascer do dia

"Argemiro viu o dia nascer de cor vermelha e púrpura e escarlate e nuvens nacarinas esfiapadas, sangues aéreos, voos de romãs, estrias de lacre, rendas de flores rosadas, cabeças de cardeais, tições ardentes, umas coisas rosicleres. Pensou que o dia ia pegando fogo, porque antes também via tudo assim, mas não sentia a mesma coisa. Viu que o céu tinha mais cores do que a fogueira e até imaginou que talvez todos os objetos tivessem tantas cores quanto estas, só que escolhemos aqueles que devemos matizar e aqueles que devemos ter como chapados. Pode ser mesmo que nada exista a não ser o nosso olhar e as coisas que ele traz para dentro de nós, que podemos não ser nós, podemos ser uma solidão. Pode ser, enfim, que somente exista uma pessoa espigada diante do horizonte e tudo mais sejam perguntas e pedidos. Não há em toda vida a morte?"

João Ubaldo Ribeiro
(Em "Vila Real", Objetiva (3.ed), 2012, pg. 106)