quinta-feira, 7 de julho de 2011

Família Feliz

"Não podes ter esquecido o famoso início de Anna Karenina, onde Tolstoi, endossada a túnica suprema de uma divindade bucólica que paira magnanimamente sobre o abismo, sentencia lá do alto que as famílias felizes assemelham-se todas, enquanto aquelas desesperadas são cada uma a seu modo. Ora, com todo respeito a Tolstoi, digo que é justo o contrário: os desesperados melhor se enquadram em padrões, dando corpo a uma rotina pesada dentro a quatro ou cinco já desgastados clichês de sofrimento. A felicidade, ao contrário, é um objeto raro e delicado, uma espécie de porcelana chinesa, e os poucos que a atingiram moldaram-na e a compuseram, pouco a pouco, com o passar dos anos, cada um à própria imagem e semelhança, cada um com a própria medida: não há felicidade que se assemelhe a outra."

Amos Oz
(Traduzido livremente de "La Scatola Nera", trad. Elena Loewenthal, Feltrinelli 2006, pg 109)