sábado, 7 de janeiro de 2012

Desabafo de um sonhador

"Nesses momentos já começa a me parecer que nunca serei capaz de começar a viver uma vida autêntica; porque já me parecia que eu tinha perdido todo o tato, toda a noção do autêntico, do real; porque, enfim, eu maldizia a mim mesmo; porque depois de minhas noites fantásticas sou logo tomado por terríveis momentos de desilusão! Entretanto, sente-se que ao redor gira e ressoa uma multidão de pessoas no turbilhão da vida; sente-se, vê-se como as pessoas vivem: vivem de verdade; vê-se que a vida para elas não é proibida, que a vida delas não se dissipa como um sonho, como uma visão; que a vida delas se renova eternamente, é eternamente jovem, e que nenhuma de suas horas se assemelha a outra, ao passo que é triste e monótona até à vulgaridade a fantasia tímida, escrava de uma sobra, de uma ideia, escrava da primeira nuvem que cobrir de repente o solo e oprimir de tristeza o autêntico coração petersburguense, que tanto aprecia o solo - e que fantasia pode haver na tristeza! Sente-se que ela, essa fantasia inesgotável, finalmente se cansa, enfraquece numa tensão eterna, pois você amadurece, abandona seus antigos ideais: estes se desfazem em pó, em pedaços; se não há outra vida, então é preciso construí-la a partir desses pedaços."

Fiodor Dostoiévski
(Em "Noites Brancas", trad. Nivaldo dos Santos, Editora 34, 2005, pg. 42-43)