segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Metafísica, ceticismo e a filosofia

"Eu acho que entendemos melhor esta situação [argumentos de quem pretende ler Wittgenstein como um relativista em relação a outras culturas ditas 'inferiores'] se vermos o relativismo não como uma cura ou um alívio da doença que é 'sentir falta de uma fundação metafísica', mas, ao contrário, se vermos ambos o relativismo E o desejo por fundação metafísica como duas manifestações da mesma doença. O que se deve dizer ao relativista é que algumas coisas são verdades, outras são razoáveis, mas é claro que nós só podemos DIZER verdades e coisas razoáveis se tivermos uma linguagem apropriada. E temos tal linguagem, e podemos dizer - e de fato dizemos - verdades, mesmo que esta linguagem não esteja fundada em garantias metafísicas. Sobre o que então está ela fundada? Wittgenstein dá a resposta simples e chocante: na confiança.
'- Em que posso basear-me?
- Eu realmente quero dizer que um jogo de linguagem só é possível quando se confia em algo (eu não disse 'quando se pode confiar em algo').' [On Certainty - par. 508 e 509]
 "Nossos jogos de linguagem não estão baseados em provas ou na Razão mas em confiança. Algo em nós acha que isto é difícil de engolir. O quanto é difícil e como nos giramos e lutamos em busca de uma garantia transcendental ou uma saída cética é algo que Stanley Cavell magnificamente tratou em uma série de livros. (...) Para Cavell, a pretensão de que há uma grande solução metafísica para todos os nossos problemas e as saídas céticas, relativistas ou niilistas são sintomas da mesma doença. A doença é a inabilidade de aceitar o mundo e de aceitar as outras pessoas, sem pedir por garantias. Algo em nós almeja mais do que podemos ter e ao mesmo tempo foge do que podemos ter. 

"Não é que o relativismo ou o ceticismo sejam irrefutáveis. Ambos são facilmente refutáveis assim que eles são afirmados como posições, mas eles nunca morrem porque a atitude de alienação do mundo e da comunidade não é apenas uma teoria e não pode ser superada puramente por argumentos intelectuais. De fato, não é nem mesmo correto referir a isto como uma doença; pois um dos pontos de Cavell é que desejar estar totalmente livre do ceticismo é também um modo de desejar estar livre da humanidade. Ser alienado é parte da condição humana e o problema é aprender a viver tanto com a alienação quanto com o reconhecimento. 

"Eu dediquei todo este tempo a Ludwig Wittgenstein porque penso que ele nos dá um exemplo de como a reflexão filosófica pode ser outra coisa sem ser criar tempestades novas em velhas xícaras de chá, ou encontrar novas xícaras de chá para criar tempestades dentro delas. Em seu melhor, a reflexão filosófica pode nos dar uma inesperadamente honesta e clara visão da nossa própria situação, não uma 'visão de lugar algum', mas uma visão através dos olhos de um ou outro sábio, imperfeito, profundamente particular ser humano. Se Wittgenstein quer fazer uma fogueira das nossas vaidades filosóficas, isto não é por puro sadismo intelectual; se estou lendo Wittgenstein corretamente, estas vaidades, na sua visão, são o que nos impede de confiar e, talvez ainda mais importante, o que nos afasta da compaixão."


Hilary Putnam
(Traduzido livremente de "Renewing Philosophy", Harvard Univ. Press, 1992, pg 177-179)