quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Religião: uma forma de vida

"O discurso religioso só pode ser compreendido em profundidade por aqueles que entendem a forma de vida de quem participa de tal discurso. O que caracteriza esta forma de vida não é a expressão das crenças que a acompanha, mas um modo de viver a vida - um modo que inclui palavras e imagens, mas que está longe de consistir apenas em palavras e imagens - uma maneira de regular todas as decisões durante a vida. O crente, Kierkegaard, diria algo que Wittgenstein não diz, mas com o que, penso, ele iria concordar: a saber, que uma pessoa pode pensar e dizer todas as palavras certas e mesmo assim viver uma vida profundamente não religiosa. De fato, Kierkegaard insiste que uma pessoa pode pensar que ele ou ela está adorando Deus e na realidade não passar de uma adoração a um ídolo. (Eu suspeito que esta seja uma das razões que motivaram tanto ódio dos fundamentalistas contra Kierkegaard. Para este uma vida religiosa autêntica é caracterizada por uma preocupação constante de não cair no erro de susbsituir a idéia de Deus por uma criação própria narcisística; e esta preocupação deve expressar-se em tanta incerteza quanto for a certeza. Para Kierkegaard, estar absolutamente certo que você irá "nascer de novo" [que há o paraíso, que as escrituras estão corretas, ...] é sinal de que você está perdido.) O que Kierkegaard e Wittgenstein têm em comum é a idéia que compreender as palavras de uma pessoa propriamente religiosa é inseparável do entendimento da sua forma de vida, e isto não diz respeito à uma teoria semântica [significado das palavras ditas], mas sim a compreender um ser humano." 

Hilary Putnam
(Traduzido livremente de "Renewing Philosophy", Harvard Univ. Press, 1992, pg154)