terça-feira, 1 de novembro de 2011

Os sinais da falência

"As pessoas gostam de apanhar. Gostam, não: precisam. Estou em casa, a TV ligada, concursos vários em todos os canais. Cozinheiros amadores em busca do prato perfeito. Cantores do chuveiro em busca da carreira musical perfeita. Comedores pantagruélicos em busca do corpo perfeito. 

E, em todos os concursos, os jurados gritam e humilham os concorrentes. Os concorrentes choram, desesperam, alguns desistem. Mas existe em cada choro, desespero ou desistência a marca do alívio e do prazer. Aquela gente nunca se sentiu tão viva e tão válida. Mesmo os perdedores. Como explicar o masoquismo? 

Não é masoquismo. Apenas a comprovação empírica da falência da educação moderna. Antigamente, educar era um processo violento que implicava destruir, em casa ou na escola, os instintos de cada ego. 

Aprender a comer à mesa; a conversar; a estudar; a imaginar; e até a criar, tudo isso pressupunha - e pressupõe - uma disciplina imposta, feita de estímulos e desafios, derrotas e vitórias. 

Hoje, com as teorias "românticas" que dominam as cartilhas pedagógicas das escolas ou das famílias, não há estímulos ou desafios. Precisamente para que ninguém saia derrotado ou vitorioso. 

Uma sociedade radicalmente igualitária é isso: uma sociedade mediana, de seres medianos, com vidas e obras medianas. 

Não admira que muitos desses náufragos do paternalismo sintam necessidade de participar em concursos públicos para terem o que nunca tiveram na vida. Um pouco de violência instrutiva." 

João Pereira Coutinho
(Em sua coluna na Folha de S. Paulo desta segunda-feira)