"A
filosofia exige sempre alguma coisa a mais, exige o eterno, o verdadeiro,
frente ao qual mesmo a existência mais sólida é, enquanto tal, o instante
afortunado. Ela se relaciona com a história como o confessor com o penitente, e
deve, como um confessor, ter um ouvido afinado, pronto para seguir as pistas
dos segredos daquele que confessa; mas ela também está em condições de, após
ter escutado toda a série de confissões, fazê-las aparecer diante do que
confessa como uma coisa diferente. Pois assim como o indivíduo que se confessa
pode muito bem ter condições não só de recitar analiticamente os feitos de sua
vida mas também de relatá-los de maneira amena e agradável, e no entanto não
consegue ele mesmo ver sua vida como um todo, assim também a história pode
muito bem proclamar pateticamente, em alta voz, a riqueza da vida do gênero
humano, mas tem de deixar à mais velha (à filosofia) a tarefa de explicá-la, e
pode então desfrutar da alegre surpresa: no primeiro instante quase não quer
reconhecer a versão elaborada pela filosofia, mas vai se familiarizando pouco a
pouco com esta concepção filosófica, até chegar finalmente a encará-la como a
verdade autêntica, e o outro lado como mera aparência."
Soren Kirkegaard
(Em "O conceito de Ironia", Álvaro Luiz Montenegro Valls (trad.), Editora Vozes, Petrópolis 1991, pg 24)