sábado, 19 de maio de 2012

O carvalho russo

"À beira do caminho, erguia-se um carvalho. Sem dúvida dez vezes mais velho que as bétulas, era dez vezes mais grosso e se elevava dez vezes mais alto. Era um carvalho enorme, de duas braças de diâmetro, com galhos quebrados desde muitos anos e uma casca esburacada, costurada de bossas e de escaras. Seus largos braços nodosos e desgraciosos, estendidos sem a menor simetria, davam-lhe entre as jovens bétulas sorridentes, o aspecto dum velho monstro encolerizado, desdenhoso. Só ele se recusava abandonar-se ao encantamento da rebrotação e recusava ver a primavera e o sol.

'Primavera, amor, felicidade! - parecia dizer aquele carvalho. - Não estais cansados dessa eterna burla? Não vedes que tudo isso não passa de tolice e de burla? Não há nem primavera, nem sol, nem felicidade. Olhai esses abetos, mortos, abafados, sempre semelhantes; e eu também, muito tentei estender meus braços tortos e retalhados, saíram de meu dorso, de meus flancos, de toda parte donde podiam, e eu fico aqui, agora, e não creio nem em vossas esperanças, nem em vossas mentiras.'

Várias vezes, enquanto atravessava a floresta, o Príncipe André se voltou para olhar aquele carvalho, como se dele esperasse alguma coisa. Sob sua sombra, havia flores e relva, mas ele, o velho monstro, erguia obstinadamente sua massa sombria e intratável.

'Sim, ele tem razão, mil vezes razão, aquele carvalho - pensava André. - Que outros, os jovens, se deixem ludibriar por essa burla, mas nós, nós sabemos a que nos ater: nossa vida está acabada, bem acabada!'

A vista daquela árvore provocou nele uma eclosão de novos pensamentos desesperados, mas cheios dum encanto melancólico. No curso dessa viagem, submeteu sua maneira de viver a novo exame aprofundado e chegou, uma vez mais, a esta conclusão desencantada mas acalmante, que nada devia empreender, mas acabar simplesmente sua vida sem fazer o mal, sem se amofinar, sem nada desejar."

Leon Tolstoi
(Em "Guerra e Paz", tradução Oscar Mendes, Itatiaia 1997, pg 438)