segunda-feira, 21 de maio de 2012

O sensível e os meios da arte

"Como meio, a linguagem é absolutamente espiritual; é portanto o meio apropriado para a ideia. Elaborar este ponto em maiores detalhes levar-me-ia além tanto da minha competência quanto do escopo deste pequeno ensaio. Mas reservo-me uma observação que me levará de volta à música. Na linguagem o sensível é, enquanto meio, reduzido ao nível de um mero instrumento, é constantemente negado. Tal não é o caso com outras artes. Nem na escultura, nem na pintura o sensível é mero instrumento, mas é, em ambas, parte integrante; nem é constantemente negado, pois deve ser continuamente parte do que é visto. Seria um modo peculiarmente perverso de olhar para uma estátua ou pintura aquele que consiste em tentar ignorar o aspecto sensível e assim completamente rescindir sua beleza. Na escultura, arquitetura, pintura, a ideia está emaranhada ao meio; mas este fato de a ideia não reduzir o meio a mero instrumento, nem constantemente negá-lo, é ao mesmo tempo a expressão de que o meio em si não é capaz de falar. Assim também é com a natureza. Por isso dizemos corretamente que a natureza é muda, e a arquitetura e escultura e pintura; dizemos corretamente apesar de todos aqueles ouvidos sensitivos e sintonizados, capazes de ouvi-los falar. É portanto uma idiotice falar da língua da natureza, assim como se é inepto ao dizer que o que é mudo é vocal, já que o mudo não é nem mesmo uma língua no sentido em que um símbolo o é. Mas com a linguagem é diferente. O sensível é reduzido a mero instrumento e portanto é rescindido. Se quando um homem falasse ele ouvisse os movimentos de sua língua, ele falaria mal; se quando ele escutasse, ouvisse as vibrações de ar e não as palavras, escutaria mal; se quando ele lesse um livro, visse constantemente as letras individuais, ele leria mal. A linguagem torna-se o meio perfeito justamente no momento em que tudo o que é sensível é negado nela mesma. Assim também é com a música; o que de fato deve ser ouvido constantemente na música emancipa-se do sensível."


Soren Kierkegaard
(Traduzido livremente de "Either/Or: A Fragment of Life", Alastair Hannay (trad.), Penguin Classics 2004, Kindle Location 1293)