terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O Físico Quântico não pode comprar a Dedução Transcendental

"Na discussão da interpretação de Copenhagen da teoria quântica enfatizou-se que usamos os conceitos clássicos ao descrevermos nosso equipamento experimental e, de modo mais geral, ao descrevermos aquela parte do mundo que não pertence aos objetos do experimento. O uso desses conceitos, incluindo o espaço, o tempo e a causalidade, é de fato a condição para observar os eventos atômicos e é, neste sentido, a priori. O que Kant não previa era que estes conceitos a priori podem ser as condições para a ciência e, ao mesmo tempo, podem ter somente uma validade limitada. Quando fazemos um experimento, temos que assumir uma cadeia causal de eventos que levam do evento atômico até o aparato de medida e finalmente ao olho do observador; se esta cadeia causal não é assumida, nada poderia ser conhecido sobre o evento atômico. Porém, devemos ainda considerar que a física clássica e a causalidade possuem somente um alcance limitado. Foi este paradoxo fundamental da teoria quântica que Kant não foi capaz de prever. A física moderna levou os juízos sintéticos a priori de Kant da metafísica para a prática: os juízos sintéticos a priori são verdades relativas.  

Se reinterpretarmos o 'a priori' Kantiano deste modo, não há razão para considerar tudo como percepções em vez de coisas em si mesmas. Como na física clássica, podemos falar tanto dos eventos que não observamos quanto daqueles que são observados. Portanto, o realismo prático é uma parte natural da reinterpretação. Em relação à coisa-em-si, Kant argumentara que dela não podemos concluir nada a partir de sua percepção. Esta afirmação tem, como Weizsacker observou, sua analogia formal no fato de que um comportamento não-clássico dos objetos atômicos é possível, apesar do uso dos conceitos clássicos em todos os experimentos atômicos. A coisa-em-si é para o físico quântico - se ele usasse tal conceito - uma estrutura matemática; mas esta estrutura é - ao contrário do que Kant imaginava - indiretamente deduzida da experiência."

Werner Heisenberg
(Traduzido livremente de "Physics and Philosophy", Harper and Brothers 1958, pg 91)