A passagem seguinte é um trecho do Capítulo X do livro de Heinsenberg em que ele cita Fausto de Goethe. A tradução de Heisenberg é minha. A outra, não ousaria fazê-la. Uso, ao invés, a tradução de Antônio Feliciano de Castilho (Fausto, Quadro V Cena III).
"A análise lógica da linguagem envolve o perigo da simplificação. Na lógica, a atenção é focada a estruturas muito específicas, conexões precisas entre premissas e deduções, padrões simples de raciocínio, e demais estruturas da linguagem são completamente negligenciadas. Estas outras estruturas podem emergir de associações entre certos significados; por exemplo, um significado secundário de uma palavra que passa somente vagamente através da mente quando a palavra é ouvida pode contribuir essencialmente para o conteúdo de uma sentença. Como toda palavra pode causar diversos movimentos apenas semi-conscientes na nossa mente, podemos representar parte da realidade com a linguagem de modo muito mais claro que pelo uso de padrões lógicos. Por isso os poetas objetaram tanto à ênfase na linguagem e no pensamento em termos lógicos, que - se eu os interpreto bem - pode fazer a linguagem menos apta para seus propósitos. Lembremos por exemplo as palavras de Goethe quando Mefistófeles fala ao jovem estudante:
Foge a vida.Necessário se faz logo com regra aproveitá-la.Siga, amiguinho, siga o meu conselho,que não se há de dar mal.Antes de tudomuito ensinamento de lógica [colegium logicum];por ele é que um novato aprende a enfiar justinhoos pés da mente em botas à espanhola,que assim é que é seguir, sereno e cauto,pé ante pé, a via das ciências,em vez de andar pulando a um lado e a outro,qual fogo fátuo em chão de cemitério.Depois, levam-se muitos dias a ensinar-lheo que antes de ensinado é já espontaneamente sabido,como comer, como beber, et coetera;Naturae donam, sapiência infusa,mas vulgar, mas sem brilho e sem relevo.Acode um sábio; espostejou-se a coisa:'Um, dois, três'. Sim senhor, é o que lhe digo.Na verdade nossa sutil rede de pensamentos,é como o tecelão, quando se esmeraem obra de examina: a cada piso que ele na apianha dá, mil fios move;voa, indo e vindo a lisa lançadeira;no ordume a trama às cegas se entretece;um golpe só fez tudo.Ora o filósofobate a pata do espírito, e provou-nosque o que é, deve ser; sendo o primeiroisto, e aquilo o segundo, é consequênciaser o terceiro assim, e o quarto assado.É corolário pois, que suprimidoso primeiro e o segundo, era impossívelque existissem jamais terceiro e quarto'Bela demonstração!' proclama à umaa escola toda...mas dentre eles nenhum nos saiu tecelão.Pretende um sábioconhecer e descrever qualquer vivente:lança-lhe a garra e avia-o. Tem sem dúvidatodas os fragmentos sem vida dele. Mas o que lhe falta?Unicamente o seu vivaz liame.
Esta passagem contém uma descrição admirável da estrutura da linguagem e da estreiteza dos simples padrões lógicos."
Werner Heisenberg
(Traduzido livremente de "Physics and Philosophy", Harper and Brothers 1958, pg 170)