sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Linguagem, Lógica e Realidade

A passagem seguinte é um trecho do Capítulo X do livro de Heinsenberg em que ele cita Fausto de Goethe. A tradução de Heisenberg é minha. A outra, não ousaria fazê-la. Uso, ao invés, a tradução de Antônio Feliciano de Castilho (Fausto, Quadro V Cena III).

"A análise lógica da linguagem envolve o perigo da simplificação. Na lógica, a atenção é focada a estruturas muito específicas, conexões precisas entre premissas e deduções, padrões simples de raciocínio, e demais estruturas da linguagem são completamente negligenciadas. Estas outras estruturas podem emergir de associações entre certos significados; por exemplo, um significado secundário de uma palavra que passa somente vagamente através da mente quando a palavra é ouvida pode contribuir essencialmente para o conteúdo de uma sentença. Como toda palavra pode causar diversos movimentos apenas semi-conscientes na nossa mente, podemos representar parte da realidade com a linguagem de modo muito mais claro que pelo uso de padrões lógicos. Por isso os poetas objetaram tanto à ênfase na linguagem e no pensamento em termos lógicos, que - se eu os interpreto bem - pode fazer a linguagem menos apta para seus propósitos. Lembremos por exemplo as palavras de Goethe quando Mefistófeles fala ao jovem estudante:
Foge a vida.
Necessário se faz logo com regra aproveitá-la.
Siga, amiguinho, siga o meu conselho,
que não se há de dar mal.
Antes de tudo
muito ensinamento de lógica [colegium logicum];
por ele é que um novato aprende a enfiar justinho
os pés da mente em botas à espanhola,
que assim é que é seguir, sereno e cauto,
pé ante pé, a via das ciências,
em vez de andar pulando a um lado e a outro,
qual fogo fátuo em chão de cemitério.
Depois, levam-se muitos dias a ensinar-lhe
o que antes de ensinado é já espontaneamente sabido,
como comer, como beber, et coetera;
Naturae donam, sapiência infusa,
mas vulgar, mas sem brilho e sem relevo.
Acode um sábio; espostejou-se a coisa:
'Um, dois, três'. Sim senhor, é o que lhe digo.
Na verdade nossa sutil rede de pensamentos,
é como o tecelão, quando se esmera
em obra de examina: a cada piso que ele na apianha dá, mil fios move;
voa, indo e vindo a lisa lançadeira;
no ordume a trama às cegas se entretece;
um golpe só fez tudo.
Ora o filósofo
bate a pata do espírito, e provou-nos
que o que é, deve ser; sendo o primeiro
isto, e aquilo o segundo, é consequência
ser o terceiro assim, e o quarto assado.
É corolário pois, que suprimidos
o primeiro e o segundo, era impossível
que existissem jamais terceiro e quarto
'Bela demonstração!' proclama à uma
a escola toda...
mas dentre eles nenhum nos saiu tecelão.
Pretende um sábio
conhecer e descrever qualquer vivente:
lança-lhe a garra e avia-o. Tem sem dúvida
todas os fragmentos sem vida dele. Mas o que lhe falta?
Unicamente o seu vivaz liame.
Esta passagem contém uma descrição admirável da estrutura da linguagem e da estreiteza dos simples padrões lógicos."

Werner Heisenberg
(Traduzido livremente de "Physics and Philosophy", Harper and Brothers 1958, pg 170)