quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A destruição é como qualquer outro covarde

"A destruição é igual qualquer outro convarde. Ela não bate numa pessoa que olha pra ela no olho, a não ser quando chega perto demais. Teu pai sabia disso. Ficou na porta daquele armazém no dia em que os dois nortistas trouxeram os negro para votar neles em 72. Ficou lá, de casaca e chapéu de castor, os braços cruzados, quando os outros já tinham ido embora, vendo os dois fulanos de Missouri juntando a negrada e levando pro armazém, ficou bem na entrada enquanto os nortistas começaram a recuar com as mãos nos bolsos até ficar longe dos negros, xingando ele. E ele ali parado, bem desse jeito. (...) Então, quanto foram embora, se afastando pela rua, o coronel foi para dentro e tirou de lá a urna de voto e colocou ela entre os pés. 'Vocês negros vieram aqui para votar não é? 'diz ele. 'Muito bem, então venham e votem'. E quando eles se afastaram e dispersaram, ele disparou essa pistola danada sobre as cabeças deles umas duas vezes; aí carregou de novo a pistola e foi pela rua até a pensão da senhora Winterbottom, onde os dois caras estavam hospedados. 'Minha senhora', diz ele, erguendo o chapéu, 'tenho uma pequena questão para discutir com os seus hóspedes. Com licença' e coloca de novo o chapéu e sobe a escada firme como se tivesse numa parada. E vai direto até o quarto em que eles estavam sentados atrás de uma mesa, bem diante da porta, com as pistolas na mesa. Quando lá fora ouvimos os três tiros, corremos para ver. A senhora tava lá parada, olhando de boca aberta para a escada, e logo depois desceu o coronel com o chapéu inclinado na cara, calmo como um jurado de tribunal, limpando o paletó com o lenço. E a gente toda parada ali, olhando para ele. Ele parou na frente da senhora Winterbottom e ergueu de novo o chapéu. 'Minha senhora, tive de sujar bastante o seu quarto de hóspedes. Por favor, aceite minhas desculpas, mande sua negra fazer a limpeza e depois diga quanto devo. Peço desculpas mais uma vez, por ter sido obrigado a exterminar verme no seu estabelecimento. Cavalheiros', diz para a gente, 'bom dia'. E então puxou a aba do chapéu sobre o olho e saiu andando. É, Bayard, de algum modo senti inveja daquele nortista, maldito seja se não senti. Um homem pode arrumar uma esposa e viver com ela um tempão, mas no fim das contas nunca viram parentes. Mas o homem que traz a gente para o mundo, ou que tira a gente dele..."

William Faulkner
("Sartoris", Cosac Naify 2010, pg  256)