segunda-feira, 23 de abril de 2012

Uma relato pela humildade

"Minha mãe sempre me alertou para não pensar que eu poderia prever ou controlar o futuro. Um dia ela contou-me o incidente que a convertera para esta crença. Dizia respeito à sua irmã, Sabina, sobre a qual ela ainda fala, mesmo que mais de sessenta e cinco anos tenham se passado desde que ela a viu pela última vez. Sabina tinha dezessete. Minha mãe, que a idolatrava assim como os irmãos mais novos por vezes idolatram os mais velhos, tinha quinze. Os nazistas tinham invadido a Polônia e meu pai, da periferia pobre da cidade, mudara-se para o subterrâneo e, como já disse, acabaria depois em Buchenwald. Minha mãe, que não conhecia ele ainda, vinha da parte rica da cidade e fora mandada para um campo de trabalhos forçados. Lá ela virou enfermeira, cuidava de pacientes sofrendo de tifo. A comida era escarça, e a morte aleatória parecia sempre próxima. Para ajudar a proteger a minha mãe dos perigos permanentes de sua função, Sabina concordou com um plano. Ela tinha um amigo que era membro da Polícia Judia - um grupo, geralmente desprezado pelos prisioneiros, que obedecia aos comandos dos alemães e ajudava a manter a ordem no campo. O amigo de Sabina ofereceu-se para se casar com ela - no papel somente - de modo que Sabina poderia obter alguma proteção com tal posição. Pensando que esta proteção poderia estender-se à minha mãe, Sabina concordou. Por um tempo até que funcionou. Então algo aconteceu e os nazistas de repente voltaram-se contra a Polícia Judia. Eles mandaram um número de oficiais para a câmara de gás junto de suas esposas - incluindo o marido de Sabina e a própria Sabina. Minha mãe hoje viveu por muito mais anos na ausência de Sabina do que em sua presença, mas a morte de sua irmã ainda a aflige. Para ela, esta história mostra que o esforço de se traçar planos é inútil, que não faz nenhum sentido planejar. Eu não concordo. Penso que fazer planos é importante, desde que os façamos com os olhos abertos. Mas a experiência da minha mãe ensinou-me que devemos identificar e apreciar a boa sorte que nós temos e reconhecer os eventos aleatórios que contribuem para o nosso sucesso. Ela também ensinou-me a aceitar aqueles eventos fortuitos que podem nos causar sofrimento. E, acima de tudo, ensinou-me a apreciar a ausência da má sorte, a ausência do que é capaz de nos levar para baixo, a ausência de doenças, da guerra, da fome e de todos os acidentes que - ainda - não nos atingiram."

Leonard Mlodinow
(Traduzido livremente de "The Drunkard's Walk", Pantheon Books 2008, pgs 218-219 )