domingo, 29 de abril de 2012

Joguemos fora todos os livros de ética...

[... porque tudo o que precisamos saber sobre moral está aqui:]

"A 'necessidade moral' (essa expressão já é um paradoxo, pois aquilo que responde a uma necessidade, não importa o que seja, é algo diferente da moral) ou simplesmente sua 'conveniência' não podem ser estabelecidas discursivamente, muito menos provadas. A moral nada mais é que uma manifestação de humanidade inatamente estimulada - não 'serve' a propósito algum e com toda certeza não é guiada pela expectativa de lucro, conforto, glória ou auto-engrandecimento. É verdade que ações objetivamente boas - proveitosas e úteis - têm sido muitas vezes realizadas em função do cálculo de lucro do agente, seja para obter graça divina, ganhar o respeito público ou livrar-se da crueldade demonstrada em outras ocasiões. Esses atos, porém, não podem ser classificados como genuinamente morais precisamente por terem sido assim motivados. 
"Nos atos morais 'exclui-se um motivo ulterior'. [...] Essa é mais uma razão pela qual a demanda ética, essa pressão 'objetiva' para que sejamos éticos, emanada do próprio fato de se estar vivo e compartilhando o planeta com outros, é e deve ser silenciosa. Já que a 'obediência à demanda ética' pode facilmente transformar-se (ser deformada e distorcida) num motivo de conduta, essa demanda está em sua melhor forma quando é esquecida e não se pensa nela: sua radicalidade consiste em exigir o que é supérfluo. A imediação do contato humano é sustentada pelas expressões imediatas da vida e não precisa de outros apoios, nem de fato os tolera. Em termos práticos, ela significa que, não importa o quanto um ser humano possa ressentir-se por ter sido abandonado (em última instância) à sua própria deliberação e responsabilidade, é precisamente esse abandono que contém a esperança de um convívio moralmente fecundo. A esperança - não a certeza. A espontaneidade e a soberania das expressões de vida não respondem pela conduta resultante como sendo a escolha eticamente adequada e louvável entre o bem e o mal. A questão, porém, é que erros crassos e escolhas acertadas surgem da mesma condição - assim como os covardes impulsos de correr em busca de proteção que as ordens peremptórias obrigatoriamente proveem e a coragem de aceitar a responsabilidade. Sem se preparar para a possibilidade de fazer escolhas erradas, é difícil haver uma forma de perseverar na busca da escolha certa. Longe de ser uma grande ameaça à moral (e logo abominável para os filósofos éticos), A INCERTEZA É A TERRA NATAL DA PESSOA ÉTICA E O ÚNICO SOLO EM QUE A MORAL PODE BROTAR E FLORESCER."

[Os grifos são meus, é claro: são os frutos da minha excitação.]


Zygmunt Bauman
(Em "Amor Líquido", trad. Carlos Alberto de Medeiros, Jorge Zahar 2004)