domingo, 10 de junho de 2012

Contingências irrevogáveis da História

"Os atos de Napoleão e de Alexandre, dos quais uma simples palavra podia, na aparência, soltar ou conter o acontecimento, tinham, com efeito, tão pouco peso quanto os do simples soldado que a sorte ou o recrutamento obrigava a fazer a campanha. Não podia ser de outro modo, porque, para que a vontade de Napoleão ou de Alexandre, árbitros aparentes da sorte, se cumprisse, era preciso o concurso de inúmeras circunstâncias uma vez que, excluída uma delas, nada podia acontecer. Era indispensável que milhões de homens, entre cujas mãos se encontrava a força operante - soldados para atirar, para transportar os víveres e os canhões - consentissem todos em cumprir a vontade daqueles dois indivíduos fracos e isolados e que fossem determinados por uma quantidade inúmera de causas diversas e complexas.

Diante de certos fenômenos históricos, desnudados de sentido, ou antes, cujo sentido nos escapa, o recurso ao fatalismo é indispensável. Com efeito, quanto mais nossa razão se esforça por explicá-los, tanto mais nos parecem desarrazoados, incompreensíveis. 

Todo homem vive para si mesmo, utiliza sua liberdade para atingir fins particulares, sente em todo o seu ser que pode ou não realizar tal ou qual ato; mas, desde que age, seu ato realizado em tal momento da duração torna-se irrevogável e pertence doravante à História, onde ele não mais parece livre, mas regido pela fatalidade.

A vida humana tem duas faces. Há de uma parte a vida individual, que é tanto mais livre quanto seus interesses são mais abstratos; há por outra parte a vida elementar, gregária, em que o homem deve inevitavelmente submeter-se às leis que lhe são prescritas.

O homem vive conscientemente por si mesmo, mas participa inconscientemente na prossecução dos fins históricos da humanidade inteira. O ato realizado é irrevogável e, por sua concordância com milhões de outros atos realizados por outrem, assume um valor histórico. Quanto mais alto está colocado o homem na escala social, mais importantes são os personagens com os quais entretém relações, maior também é seu poder sobre o próximo, mais cada um de seus atos se reveste dum caráter evidente de necessidade, de predestinação.

'O coração dos reis estão na mão de Deus'.

O rei é escravo da História.

A História, isto é, a vida inconsciente, geral, gregária da humanidade, faz cada minuto da vida dos reis servir à realização de seus desígnios."

Leon Tolstoi
(Em "Guerra e Paz" - volume II, tradução Oscar Mendes, Itatiaia 1997, pg 11)