sábado, 12 de fevereiro de 2011

Mísera Populaça de Filósofos

"(Dançarino) 1
Não vem lá um coro novo?
Ouço tamborins distantes.
Continuai! na cana é o povo
De alcavarões unissonantes

(Mestre da Dança)
Cada um remexe-se, estrebucha,
Faz o melhor que pode.
Pula o corcunda, arfa a gorducha,
Sem que a aparência os incomode

(Rabequista) 2
De morte odeiam-se deveras;
Mísera populaça!
Como a lira de Orfeu as feras,
A cornamusa é que a congraça.

(Dogmático) 3
Que importam críticas, desgabo,
Dúvidas e gritaria?
Deve ser qualquer cousa o diabo;
Se não como é que os haveria?

(Idealista) 4
Da fantasia o rebuliço
Me azoina aqui o juízo todo.
Deveras, se sou tudo isso,
Não sou mais do que um doido.

(Realista) 5
Que chinfrin vulgar e baixo!
Só raiva pode influir-me;
Pela primeira vez não me acho
Aqui sobre os pés firme.

(Supernaturalista) 6
Junto-me ao recreio vosso
Com prazer, como ninguém;
Já que dos demônios posso
Deduzir gênios do bem

(Céptico) 7
Seguindo a chama abaixo, acima,
Creem que o tesouro luz; mas cismo,
Se errôneo com demônio rima,
Que mais me vale o cepticismo."


1 - Alcavarões = espécie de garça que vive entre canas e juntos. Com estas aves estridentes, o "dançarino" introduz um novo grupo: como se verá, filósofos falastrões que não se entendem entre si.
2 - De forma pejorativa, os filósofos, mísera populaça, reconciliados pela cornamusa são comparados às feras amansadas por Orfeu.
3 - Alusão a dogmáticos pré-Kantianos que deduzem a existência de um ser a partir do conceito.
4 - Ao contrário do dogmático para quem o sonho da Noite de Valpúrgis é realidade, o idealista enxerga nesta fantasmagoria uma mera emanação do seu eu, julgando-se um doido.
5 - Sempre firme sobre os pés o realista confessa estar inseguro em face das aparições desta noite.
6 - A apariçao de gênios demoníacos confirma para o "supernaturalista" sua fé no mundo sobrenatural e este deduz daí a existência de "gênios do bem"
7 - O "tesouro" idnicado pela "chama"; que se move "abaixo, acima", sinaliza a existência "demônio" o qual rima com "errôneo", reforçando o ceticismo do personagem.


J. W. Goethe

(“Fausto”, trad. do alemão por Jenny Klabin Segail, editora 34, 2010, pg 484-485 - “Sonho da Noite de Valpúrgis”, notas de Marcus Vinicius Mazzari)