segunda-feira, 23 de julho de 2012

Sonho de Morte

"Sonhou que estava deitado naquele mesmo quarto, em que repousava naquele momento, mas que, em lugar de estar ferido, achava-se de boa saúde. Muitas pessoas indiferentes e insignificantes desfilavam diante dele. Falava-lhes, discutia com elas a respeito dum assunto sem importância. Dispunham-se elas a partir para alguma parte. O Príncipe André percebia confusamente que tudo aquilo era vão, que tinha em mente preocupações bem mais graves e entretanto continuava a espantá-las falando com espírito de coisas fúteis. Pouco a pouco, imperceptivelmente, todos aqueles personagens começaram a desaparecer e só restou uma questão: a da porta a fechar. Levanta-se, aproxima-se da porta, é disso que TUDO depende. Vai, apressa-se, e seus pés não o transportam, sabe que não terá tempo. E entretanto, tende todas as suas forças, dolorosamente. E uma angústia o constringe. E essa angústia é a da morte: AQUILO está do outro lado da porta. E enquanto que, canhestro e impotente, se esforça por fechá-la, algo de espantoso, do outro lado, faz força e a arromba. Alguma coisa que nada tem de humano - a morte - arromba a porta e vai entrar. Retém ele a porta com todas as suas forças - pois que ela já não pode ser fechada, vai ele pelo menos impedir que a morte entre; mas é demasiado desastrado e demasiado fraco e, sob a pressão exterior tremenda, a porta se abre e depois torna a fechar-se. Um derradeiro empurrão faz-se sentir de fora. Um derradeiro esforço sobre-humano, inútil, e os dois batentes cedem ao mesmo tempo sem ruído. Entrou."

Leon Tolstoi
(Em "Guerra e Paz" - volume II, tradução Oscar Mendes, Itatiaia 1997, pg 381)