segunda-feira, 16 de julho de 2012

Concepções de vida: o conquistador e o possuidor

"Você afirma ser por natureza um conquistador e não alguém que pode possuir. Ao dizer isto, considero que você não está dizendo nada depreciativo sobre si mesmo; ao contrário, você sente-se maior que os outros justamente por tal ímpeto. Vamos examinar isto com mais calma. O que é mais difícil, escalar uma montanha ou descê-la? Quando a montanha é muito íngreme claramente é descer que requer mais força. Há uma disposição inata em quase todas as pessoas para subir, enquanto a maioria fica apreensiva em ter de descer. Assim também acredito que há um número muito maior de pessoas que são formadas para conquistar do que para possuir. (...) Mas a verdadeira arte, como regra, vai na direção oposta à natureza, sem porém a aniquilar, e portanto a verdadeira arte é a arte de quem possui, não de quem conquista. Em tais expressões podemos já ver como a arte e a natureza são opostas. Uma pessoa que possui, sim, ele também tem algo que conquistou; de fato, em sentido estrito é somente quando se possui que verdadeiramente se conquistou. E assim você também acredita que possui, pois você de fato atinge o instante da posse; mas não há verdadeiramente posse, pois não há uma apropriação profunda. Se fôssemos imaginar um conquistador que conquistou países e reinos, então ele de fato possuiria as províncias que tomou; teria então largas posses; e porém este príncipe da guerra seria descrito como um conquistador e não como um possuidor. Somente quando ele governasse todas essas terras em seus próprios interesses, somente então ele as possuiria. Ora, isto é muito raro em alguém que por natureza é um conquistador; como regra falta-lhe a humildade, a religiosidade, a verdadeira humanidade que é essencial à posse. (...) Para conquistar, é necessário orgulho; para possuir, humildade. Para conquistar, é necessário ser violento; para possuir, ter paciência. Para conquistar, ganância; para possuir, contentamento. Conquistar pede por comida e bebida; possuir por reflexão e abstinência. (...) Na conquista, esquece-se de si mesmo; na posse, tem-se a lembrança constante de si mesmo, não como um passado vazio mas com toda sua possível seriedade. Quando escalamos a montanha, temos apenas o externo em vista; quando descemos, devemos cuidar de nós mesmos, da relação correta entre o nosso ponto de suporte e nosso centro de gravidade." 

Soren Kierkegaard
(Traduzido livremente de "Either/Or: A Fragment of Life", Alastair Hannay (trad.), Penguin Classics 2004, Kindle Location 7710 - Cap. 1 volume II)