quinta-feira, 19 de julho de 2012

O que realmente importa

"O que eu realmente preciso é de ser claro sobre o que devo fazer, não sobre o que devo conhecer - exceto na medida em que o conhecimento precede toda ação. Trata-se aqui de entender o meu destino, de compreender o que a divindade realmente quer de mim; trata-se de encontrar uma verdade que seja verdade para mim, encontrar uma ideia pela qual estou disposto a viver e a morrer. E a que serviria se eu descobrisse alguma - assim dita - verdade objetiva? Ou se eu percorresse os sistemas dos filósofos e fosse capaz de apontar inconsistências em cada particular vírgula? E qual seria o uso de desenvolver uma teoria do estado, e colocar todas partes de tantos distintos lugares em um único todo, construir um mundo que, novamente, eu mesmo não o habitasse, mas meramente o erguesse para que os outros pudessem vê-lo? A que serviria ser capaz de propor o significado da cristandade, explicar muitos fatos separados, se isto não tivesse um significado mais profundo para mim e para a minha vida? Certamente não negarei que ainda aceito o imperativo do conhecimento, e que se pode também ser influenciado por ele, mas ele deve ser tomado e tornado vivo em mim, e isto é o que eu agora vejo como o ponto principal. (...) Porém para encontrar esta ideia, ou, mais propriamente, para encontrar a mim mesmo, de nada serviria jogar-me ainda mais no mundo. É isto que não percebi nestes anos, ao levar uma vida completamente humana, não apenas uma vida de conhecimento, evitando basear meu desenvolvimento somente em - sim, em algo que as pessoas chamam de objetivo - algo que no fim não é meu propriamente, mas tentando baseá-lo também em algo que estaria emaranhado com as mais profundas raízes da minha existência, algo através do qual seria como se permeado do divino e ao qual me agarraria mesmo se o mundo inteiro fosse acabar. (...) Isto, veja, é isto o que eu preciso e pelo qual anseio, é uma ação interna do homem, este lado divino do homem, que realmente importa, e não simplesmente um montante de informação. Pois em vão busquei uma âncora externa, não só nas profundezas do conhecimento, mas também no mar sem fim do prazer. O que encontrei? Não o meu "eu", pois isso era o que queria encontrar. (...) Antes de qualquer coisa deve-se aprender a conhecer a si mesmo. E com relação à rotina ordinária dos homens, não ganhei nem perdi nada. Meus amigos exerceram, com poucas exceções, nenhuma influência marcante em mim. E então vejo-me mais uma vez no ponto de partida, onde devo começar tudo novamente. Agora resta-me voltar calmamente para mim mesmo e começar a agir internamente; pois somente deste modo serei capaz de chamar-me "eu" em um sentido profundo. (...) Então que os dados sejam lançados - estou atravessando o Rubicão! Esta estrada sem dúvida levar-me-á à batalha, mas não desistirei jamais!"

O jovem Soren Kierkegaard, escrevendo em seu diário, aos 22 anos.
(Traduzido livremente de passagem de "Papers and Journals", 1 Agosto de 1835, como citado por John Caputo em "How to read Kierkegaard", WWNorton, 2008, pgs 9-10)