quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Os maus hábitos dos (maus) filósofos

"'Realidade' é uma palavra absolutamente normal, não há nada técnico ou especializado por trás dela. É, como se diz, bem estabelecida e frequentemente usada na linguagem comum que todos nós empregamos diariamente. Então, neste sentido, é uma palavra que já possui um sentido fixo e não pode, não mais que qualquer outra palavra já firmemente estabelecida, ser usada ao bel prazer. Os filósofos frequentemente pensam que podem simplesmente determinar qualquer sentido de qualquer palavra. (...) Mas devemos sempre ficar particularmente desconfiados diante ao hábito dos filósofos de ignorar alguns (se não todos) os usos ordinários das palavras como se eles fossem 'irrelevantes', um hábito que faz com que as distorções no argumento sejam praticamente inevitáveis. (...)  Agora, palavras desse tipo [o real, a realidade] foram responsáveis por muita perplexidade. Considere as expressões 'bola de cricket', 'bastão de cricket', 'pavilhão de cricket', 'tempo de cricket'. Considere alguém que não soubesse nada sobre cricket e fosse obcecado com o uso de palavras 'normais' como 'amarelo': ele poderia olhar para a bola, o bastão, o prédio, as condições do tempo, tentando detectar uma 'qualidade comum' que (ele assume) é atribuído a todas essas coisas pela qualificação 'de cricket'. Mas nenhuma tal qualidade é encontrada; e então talvez ele conclua que 'cricket' deve designar uma qualidade não-natural, uma qualidade a ser detectada não através de algum modo normal mas pela 'intuição'. Se esta história parece absurda, lembre-se o que os filósofos dizem sobre palavras como 'bem'; e reflita sobre o modo que muitos filósofos, por não detectarem nenhuma qualidade comum a um pato real, leite real e progresso real, decidiram que realidade deveria ser um conceito a priori apreendido pela razão."

John Austin
(Traduzido livremente de "Sense and Sensibilia", Oxford 1962, pg 63-64)