quinta-feira, 31 de março de 2011

A poesia do criado

"Não estou aqui para pensar. Não devo pensar. Antes de tudo sentir e ver. E quando de ver se passa a olhar, acendem-se raras luzes e tudo adquire uma voz. Assim, descobri, de repente, num segundo fulgurante, que existe uma Dança das Árvores. Não são todas que conhecem o segredo de dançar ao vento. Mas as que possuem a graça organizam rodas de folhas ligeiras, de ramos, de brotos, em torno de seu próprio tronco estremecido. E é todo um ritmo que se cria nas folhagens; ritmo ascendente e inquieto, com encrespamentos e retornos de ondas, com brancas pausas, respiros, vergamentos, que se alvoroçam e são torvelinho, de repente, numa música prodigiosa do verde. Não há nada mais belo que a dança de um maciço de bambus na brisa. Nenhuma coreografia humana tem a eurritmia de um ramo que se desenha sobre o céu. Chego a me perguntar às vezes se as formas superiores da emoção estética não consistirão, simplesmente, num supremo entendimento do criado. Um dia, os homens descobrirão um alfabeto nos olhos das calcedônias, nos pardos veludos da falena, e então se saberá com assombro que cada caracol manchado era, desde sempre, um poema."

Alejo Carpentier
("Passos Perdidos", trad. Marcelo Tápia, Martins Fontes 2009, pg 227-228)