sexta-feira, 4 de março de 2011

2 + 2 = 5

"Certamente as confissões tinham sido escritas e reescritas pelo Partido a ponto dos fatos e datas originais não terem mais nenhuma importância. O passado não podia apenas ser modificado, podia ser mudado continuamente. O que mais o afligia, porém, com uma sensação de pesadelo, era a impossibilidade de compreender com clareza os motivos pelos quais se iniciara tal tremenda impostura. Eram óbvias as vantagens imediatas da falsificação do passado, mas os motivos finais eram misteriosos. Ele tornou a pegar a caneta e escreveu:

Compreendo o COMO: não compreendo o PORQUÊ.

Imaginou, como fizera muitas vezes, se não era, ele próprio, um lunático. Talvez os lunáticos sejam apenas a minoria. Antigamente, era sinal de loucura acreditar que a terra gira em torno do sol; hoje, é sinal de loucura crer que o passado é inalterável. Podia ser ele o único a ter esta crença, e, justamente por ser o único, seria um lunático. A idéia de ser lunático, porém, não o perturbava grandemente: o horror era que ele poderia também estar enganado.

Tomou o livro escolar e olhou o retrato do Big Brother que formava o frontispício. O olhar hipnótico fixava Winston. Era uma força enorme, fazendo pressão - algo que penetrava o crânio, se chocava contra o cérebro, amedrontava e fazia perder a fé, persuadia quase a negar a evidência dos sentidos. No fim, o Partido anunciaria que dois e dois são cinco, e todos teriam que acreditar. Era inevitável que o proclamasse mais cedo ou mais tarde: exigia-o a lógica de sua posição. A filosofia do Partido negava tacitamente não apenas a validade das experiências, como a própria existência de uma realidade externa. Para o Partido, o bom senso era a heresia das heresias. E o que mais aterrorizava não era que matassem o cidadão por pensar diferente, mas sim a possibilidade deles terem razão. Pois, afinal de contas, como sabemos que dois e dois são quatro? Ou que existe a lei da gravidade? Ou que o passado é inalterável? Se tanto o passado como o mundo externo só existem na mente, e se a mente em si é controlável... então? Mas não! De repente a coragem de Winston pareceu fortalecer-se. (...) O Partido ordenava que o indivíduo rejeitasse a prova visual e auditiva. Era a sua ordem final, essencial. O coração de Winston fraquejou quando pensou no enorme poderio que ele enfretnaria, a facilidade com que qualquer intelectual do Partido o deitaria por terra num debate, os sutis argumentos que não conseguiria compreender e muito menos responder. E no entanto, sentia ter razão! Eles estavam errados, ele estava certo! O óbvio, o verdadeiro tinham que ser defendidos. Os truísmos são verdadeiros, e isso é um fato! O mundo sólido existe, suas leis não mudam. As pedras são duras, a água é líquida, os objetos largados no ar caem em direção ao centro da terra. Com a impressão de falar com O'Brien e também de estar fixando um importante axioma, ele escreveu:

A liberdade é a liberdade de dizer que dois e dois são quatro. Admitindo-se isto, tudo o mais decorre."

George Orwell
(Traduzido livremente de "1984", Penguin Books, 2000, pg 73-74