quinta-feira, 8 de setembro de 2011

"Olhar o" x "Estar em"

"- Não podias - disse -. Pensas demais antes de fazer nada.
- Parto do princípio que a reflexão deve preceder a ação, bobinha.
- Partes do princípio... Que complicado! És como uma testemunha, és como aquele que vai ao museu e olha os quadros. Quero dizer, os quadros estão aí e tu no museu, próximo e longe ao mesmo tempo. Eu sou um quadro. Rocamandour é um quadro. Etienne é um quadro, este quarto é um quadro. Acreditas que estás neste quarto, mas não estás. Estás olhando o quarto, não estás no quarto.
- Esta guria falaria mal de São Tomás - disse Oliveira.
- Por que São Tomás? Esse idiota que queria ver para crer?
- Sim, querida - disse Oliveira, pensando que no fundo a Maga tinha encontrado o verdadeiro santo. Feliz dela que podia crer sem ver, que ganhava corpo com a duração, o continuo da vida. Feliz dela que estava dentro do quarto, que encontrava cidadania em tudo o que tocava e com tudo que convivia, era peixe no rio abaixo, folha na árvore, nuvem no céu, imagem no poema."

Julio Cortazar
(Traduzido livremente de "Rayuela", Sudamericana 1963, pg 21)