segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Maturidade

"Uma concha forma-se por sobre a alma, suave, nacarada, lustrosa, e nela as sensações golpeiam seus bicos em vão. Em mim formou-se mais cedo do que na maioria. Logo eu estaria cortando minha pêra, quando os outros tivessem terminado sua sobremesa. E conseguia concluir minha frase num silêncio absoluto. É também nessa estação que a perfeição nos atrai como um chamariz. Pensamos poder aprender espanhol amarrando uma cordinha ao pé e acordando mais cedo. Enchemos os pequenos compartimentos de nossa agenda com jantares às oito; almoços à uma e trinta. Temos camisas, meias, gravatas expostas sobre a cama. Mas é um erro, essa precisão extremada, esse avanço ordenado e militar; uma conveniência, uma mentira. Por debaixo, bem no fundo, mesmo quando chegamos pontualmente na hora marcada, com nossos coletes alvos e cortesias formalizadas, há sempre uma torrente rápida de sonhos desmoronados, cantigas de criança, gritos na rua, frases inconclusas e suspiros, que se alteia e baixa mesmo quando levamos uma dama para jantar. Enquanto colocamos o garfo tão precisamente sobre a toalha, mil rostos fazem caretas. Não há nada que se possa pescar com a colher; nada que se possa chamar de acontecimento."

Virginia Woolf
(Em "As Ondas", Tradução de Lya Luft, Nova fronteira 2004, pg 191)