segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O estrondo que joga luz sobre as sombras

"Foi quando estrondou... Mas a reserva e o pudor impedem-nos de empregar termos exagerados ao contar o que então ressoou e sucedeu. Justamente nesse ponto não cabem nem bravatas nem fanfarrices. Abafemos a voz para comunicar que de fato estrondeou aquele trovão, de que todo mundo tem conhecimento, a ensurdecedora detonação da sinistra mistura de tédio e de irritação de há muito acumulados; um trovão histórico - seja dito com discreta reverência - que abalou os alicerces da terra, e, para nós, o trovão que fez explodir a montanha mágica e arremessou o nosso dorminhoco brutalmente diante das portas. Estupefato, o jovem se acha sentado na relva e esfrega os olhos, como faz quem se omitiu, em que pesem numerosas admoestações, de ler os jornais. Seu amigo e mentor do Mediterrâneo sempre procurara remediar esse mal e se esforçara para informar o filho enfermiço dos seus esforços pedagógicos em grandes linhas a respeito daquilo que acontecia lá embaixo. Mas encontrara ouvidos moucos por parte de um discípulo que, ao "reinar", imaginava, na verdade, isto ou aquilo das sombras espirituais das coisas, mas não se preocupava com as próprias coisas, devido a uma tendência arrogante para tomar as sobras pelas coisas e para ver nestas apenas sombras. E não devemos censurá-lo severamente por causa disso, visto a relação entre sombras e coisas não estar definitivamente esclarecida. "

Thomas Mann
(Em "A Montanha Mágica", Herbert Caro (trad.), Círculo do livro 1952, pg 861)