segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O Autor e seus Possíveis

"Mas não se costuma dizer que o autor só pode falar de si mesmo? Olhar o pátio, imponente, e não conseguir tomar uma decisão; ouvir o ruído obstinado do próprio ventre num momento de exaltação amorosa; trair e não saber parar na estrada tão bela das traições; erguer o punho no desfile da Grande Marcha; demonstrar humor diante dos microfones escondidos pela polícia: conheci e eu mesmo vivi todas essas situações; de nenhuma delas, no entanto, saiu o personagem que eu mesmo sou no meu curriculum vitae. Os personagens de meu romance são minhas próprias possibilidades, que não foram realizadas. É o que me faz amá-los, todos, e ao mesmo tempo a todos temer. Uns e outros atravessaram fronteiras que me limitei apenas a contornar. O que me atrai é essa fronteira que eles atravessaram. E é somente do outro lado que começa o mistério que o romance interroga. O romance não é uma confissão do autor, mas uma exploração do que é a sua vida na armadilha que se tornou o mundo."

Milan Kundera
("A Insustentável Leveza do Ser", Companhia de Bolso, 2008, pg 217)